domingo, 28 de março de 2010

A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 3


 She's a Killer Queen
Gunpowder, gelatine,
Dynamite with a laser beam
 

 O reinado de Arthur durou trinta anos e depois ele foi dado como desaparecido. Foi pranteado e ganhou um enterro simbólico, com os melhores bardos da Inglaterra e violinos Stradivarius. A música que lhe foi dedicada fora decidida pela rainha, que não tinha qualquer noção de instrumentos ou notas, mas dera ao maestro uma idéia e supervisionara os arranjos. A rainha não derramou uma lágrima e o povo viu - mas o povo ficou ao seu lado. Guinevere desinteressante, Guinevere sem graça, Guinevere pudica. O povo adorava. O povo se enxergava nela. A perdedora que virou uma rainha só por causa de cavalos. Essa era a parte preferida dos contadores da história, porque até aquele momento todos já conheciam, bastava ter um avô vivo para saber. É que a lavadeira da rainha esfregou os lençóis mais vermelhos que o país já havia visto. E Guinevere não tentara esconder o machado. Ninguém sabia de onde ela tirara o machado. Talvez do jardim; talvez tivesse um caso com o jardineiro! Talvez tivesse pedido a Lancelote! Mas Lancelote chorava tanto pela morte do rei e definhara logo em seguida... a verdade que as histórias tentavam sondar era muito simples. Um dia Guinevere achou que já tinha esperado demais. Transformara-se numa violenta supernova. Sua força era tão grande e assassina que a galáxia seria reduzida a pó. Arthur fora dormir jurando à esposa que a Bretanha agora estava em paz e não acordara porque não se pode acordar sem uma cabeça colada ao corpo. O machado era muito pesado para as mãos delicadas e sem calos de Guinevere. A coroa era muito dourada para a cor apagada dos cabelos de Guinevere. Ela era tão doce e insignificante que sequer foi acusada de matar o marido. Afinal, Guinevere o amava. Talvez não como amava Lancelote, porque amar Lancelote era amar a vaidade e a vaidade era ela mesma, e acima de tudo Guinevere amava a si mesma, até que Lancelote definhou pela morte do rei e ela mandou enterrar o corpo de Lancelote no sul da Inglaterra, onde o verão durava seis meses, a milhas e milhas do corpo do rei. Mas Guinevere também amava Arthur e sua gentileza, Arthur e seu amor, Arthur e sua ingenuidade. E a coroa de Arthur. Com o corpo, a espada e a cabeça desaparecidos em alguma vala da Escócia, onde Guinevere seria enterrada dali a quinze anos, a cerimônia em memória do rei mais querido e controverso da Inglaterra - até aquele momento, é claro - terminou com a rainha subindo ao trono vazio e recolhendo a coroa. A coroa dourada, pesada, encrustada, arranhada, ferida, com sangue. A coroa de rei da Rainha. Guinevere ergueu-a aos céus e a trouxe devagar para a própria cabeça, com as próprias mãos, os próprios arranhões, feridas, sangue, a coroa que ela merecera por cada segundo de trinta anos, não pelos cavalos, mas pela força sideral que carregava, mais pesada do que a coroa, mais dourada do que a coroa. Todos a olharam. Guinevere era agora a jóia mais brilhante de todo o mundo. Ninguém questionou a Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha.

sábado, 27 de março de 2010

A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 2


You had to choose a side at love and divide yourself in two
The way you were, long before you were walking civil war

Durante toda a viagem Lancelote não podia tirar os olhos de Guinevere, e Guinevere retribuiu os olhares já prediposta à traição. O fenômeno de cada história ser diferente dependendo do contador não era mostrado aqui. Todos davam razão à futura rainha. Ela fora aceita por cavalos! Nem fora olhada no rosto! Talvez o rei nem se dignasse a desvirginá-la. Lancelote ainda não era tão assim amigo do rei, embora Guinevere nem sonhasse que um dia se tornariam como irmãos. Se dependesse dela, chegaria ao rei já maculada. Lancelote não aceitou o pedido mudo. E foram muito castos, de mãos dadas, na carruagem. Ninguém contava essa parte da história sem gargalhadas. A Guinevere já odiava a própria vida, você sabe, dinheiro não traz felicidade, e ser rainha também não. Agora a sua vida seria uma carruagem. De novo os cavalos. Ela queria cuspir-lhes as faces mas, ao descer, encarou aqueles olhos vazios e entendeu, ou achou que entendeu - os contadores faziam caras muito misteriosas, não explicavam a súbita compreensão da rainha. Suprimiu o cuspe na boca e, a mão ainda dada a Lancelote, foi encaminhada ao Grande Rei. Os trinta anos que se passaram podiam muito bem ter sido trinta dias ou trinta séculos, porque o espasmo de tédio que se tornaria a vida de Guinevere estava em franca expansão: uma pequena estrela que ia engolindo planetas pequeninos e meteoros ainda menores. E a gravidade crescia. Não que alguém falasse isso na época, mas ela muitas vezes foi comparada a tufões e ondas gigantes. As histórias divergiam porque cada uma contava uma aventura diferente da nossa rainha. Guinevere fumava, costume dos homens; tinha sempre cinzas nos ombros e o que antes eram sardas cor de chocolate agora eram queimaduras doloridas. Guinevere arranjava casamento para suas damas de companhia e acobertava suas traições. E Guinevere traía o rei. Todos os dias Guinevere traía o rei e traía o juramento ao pai. Ela trairia dez vezes por dia se fosse possível, mas Lancelote falhava em coragem. Lancelote amava tanto Guinevere, e amava tanto o rei... Pela primeira vez Guinevere vinha em primeiro lugar para alguém. Mas o Rei Arthur não se importava. Ele amava mais Lancelote do que amava Guinevere. E amava muito Guinevere. O Rei Arthur enchia Guinevere de jóias e vestidos, e contemplava a Rainha do País do Verão e de Toda a Grã-Bretanha com amor nos olhos e reluz na coroa de ouro. A coroa de ouro não ficaria bem em Guinevere, por isso ele jamais a emprestava, e a Rainha, de jóias reais, só tinha gargantilhas. Guinevere não sabia ler e fingia receber com encanto as cartas amorosas de Lancelote. Uma vez, o Arthur, olhe só como ele era um cara prático, resolveu contar a ela tudo que estava escrito. Ele mesmo escrevera. Guinevere rasgou as cartas ali mesmo, na frente do rei! Imagine só a ousadia! Mas não era a única ousadia. Guinevere mandou o rei trocar a bandeira das tropas por uma cruz. O povo amou mais ainda Guinevere. Uma rainha católica e santa é melhor do que qualquer rei. Mas Guinevere não era católica, não era nada. Era imersa em sentimentos silenciosos e debaixo daquela pele clara e daqueles membros frágeis e daquele corpete apertado e daqueles olhos meio violeta e daquelas manchas amareladas entre os dedos e daqueles pés machucados e aqueles joelhos arranhados havia uma fúria que se debatia como o oceano que afundava civilizações inteiras. A fúria ia e vinha em ondas, e não respondia aos movimentos lunares, mas sim à força gravitacional do tédio-estrela de Guinevere, que a essa altura já tinha a magnitude do nosso Sol, e engolia todo o hidrogênio da ponta da Via Láctea para condensar em hélio. Guinevere gostava de montar no cavalo preferido do rei e fazer sexo com Lancelote na cama do rei, por vezes com o rei. Guinevere fazia isso porque não tinha apenas raiva, tinha ódio. Meros cavalos. Ela nada mais era do que o preço a se pagar por cabeças de cavalos. O ódio esterilizara-lhe o útero, mas ela não lamentava, e os homens sempre se chocavam com essa informação, pois na sua cabeça toda mulher quer ter filhos; as mulheres que ouviam a história jamais se chocavam. Arthur não teria seu herdeiro. Lancelote teria. Quando Lancelote se casou, a pedido de Arthur e Guinevere, que precisavam de um herdeiro ao trono e à coroa-de-ouro-que-Guinevere-não-podia-tocar, casou-se com uma moça escolhida e moldada por Guinevere. A futura mãe do futuro rei. Guinevere mandou fazer a ela um vestido e mandou plantar cravos-de-defunto no jardim, para o dia em que a esposa de Lancelote morresse.

sexta-feira, 26 de março de 2010

A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 1

An engine, an engine
Chuffing me off like a Jew
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen
I began to talk like a Jew
I think I may well be a Jew
Essa história é a mais peculiar, contava-se pela Bretanha em sussurros observados. E toda vez que era contada começava bem assim: essa vai te impressionar! Era a história não de uma rainha que era morta pelo marido, mas de um rei que perdia a cabeça. Assim, literalmente: jugular partida e a cabeça de um lado, o corpo de outro. E pela esposa. Que saiu impune. Peço desculpas por já ter contado o final da história, mas é que os camponeses - e cavaleiros, e cozinheiros, e todos os habitantes da Inglaterra - contavam assim mesmo, o fim e depois os detalhes, que os ouvintes sempre aguardavam avidamente. Pois bem, diziam os contadores da história, era assim. Você sabe o Rei Arthur... e eram imediatamente interrompidos pelos ouvintes, sempre, isso sempre acontecia: não, você não quer dizer que o rei decapitado era o Rei Arthur! Os que sabiam contar histórias só balançavam a cabeça como se tivessem pena da impaciência do seu público. E continuava: escute só, tinha o Rei Arthur. Ele era um rapaz jovem e destinado a ser rei. Bobagem aquilo da espada na pedra. Na verdade a espada do pai dele, que era o rei antes, só foi colocada sobre o caixão, e o Arthur pegou e jurou à mãe sobre a espada que seria um rei tão bom quanto ele. E foi isso. Mas então. O Arthur só podia ser coroado, vocês sabem, se tivesse uma rainha consorte. (Essa história, naturalmente, se perdeu com o tempo nas outras histórias da Grã-Bretanha e do mundo, mas na época todos sabiam que só se podia ser rei com uma rainha consorte, e só se podia ser rainha se se tivesse um marido. Podia-se governar, mas o poder se concentraria nos pais ou irmãos casados. Como isso era fato conhecido por qualquer cidadão ou escravo, era deixado de lado nas narrativas.) Ele procurou em muitos países e recebeu muitas ofertas, porque afinal todo pai queria ser pai da rainha. No fim, aceitou uma oferta de cavalos. Nem olhou para a noiva. É que o Arthur era assim... eu não o conheci (uns raros contadores da história haviam conhecido), mas é o que se diz, meus avós eram do tempo dele, o Arthur era desse jeito: ele era um negociador, e não é à toa, não nos governou por trinta anos? E mandou um amigo ir buscar os cavalos e a noiva. O amigo, é claro, se chamava Lancelote. Essa parte vocês conhecem da lenda (é estranho de se pensar, mas a lenda de Rei Arthur ficou famosa pela traição): lá ele encontrou a Guinevere. Aqui as histórias variavam. Algumas versões falavam de uma mocinha feiosa e irritada; outras, falam que o que lhe faltava em beleza era recompensado em ternura; mas a maioria concordava, e seria verdade mesmo se divergissem, que Guinevere era mesmo uma princesa, era mesmo uma rainha. Que usava os cabelos bonitos e sedosos em tranças e que tinha a pele delicada. Esses são, é claro, os atributos clichê de princesas e rainhas antigas, e Guinevere não era como qualquer clichê. É difícil explicar porque, se você nunca viu uma mulher como ela, não vai entender. Mas tentemos, porque os britânicos tentaram por muitas décadas. Tentemos umas idéias mais exatas. Guinevere não gostava do cheiro de flores; tinha algumas sardas nos ombros, por causa dos vestidos sem mangas que usava no País do Verão; havia rugas na volta dos seus olhos, pois sorria muito; secretamente sofria de uma síndrome que ainda não tinha nome mas nos dias atuais chamamos de síndrome do pânico; era alta e esguia; seus cabelos não eram dourados, mais pareciam ser de prata; e, como carregava a cor do segundo lugar na cabeça, também sempre seria um segundo lugar. Perto de qualquer outra rainha, e todas as histórias concordavam nesse ponto, Guinevere sequer seria notada. Qualquer mocinha bem vestida da corte lhe roubava a atenção e atraía para si todo o interesse. Não fossem os cavalos, Guinevere jamais teria casado com o Grande Rei. Essa era a frase mais popular. Foi um ditado, até, por muitos anos. Lancelote buscou Guinevere e olhou-a nos olhos cinzentos e sem graça e a amou com uma fúria raras vezes vista. Guinevere o amou da forma mais comum possível. Os românticos, e naquela época só sobrevivia à Inglaterra quem fosse muito romântico, gostavam de dizer que era uma ironia ímpar. Lancelote, que era excepcional, e amava excepcionalmente, só recebia da simples e desinteressante Guinevere um amor simples e desinteressante. Mas ele aceitou, o Lancelote. E levou a rainha para o rei com um peso no coração...

 

quinta-feira, 25 de março de 2010

Rapunzel

Eu encontrei uma dama nos campos,
Tão linda... uma jovem fada,
Seu cabelo era longo e seus passos tão leves,
E selvagens eram seus olhos.



Sentada nessa cama. Nessa cama enorme. Um exagero de cama. Trancada nesse quarto, no alto dessa torre. Uma torre muito alta. Um espelho muito grande. Tão grande que é difícil circular pelo quarto sem dar de cara com ele e ele sou sempre eu mesma. Eu olho no espelho, eu me vejo lá mais uma vez. Eu não existo de verdade, eu não existo de verdade, eu não existo de verdade. Eu sou uma fábula. Uma história que se conta para ensinar as meninas o quão valorosa é a sua virgindade. Então, o que eu olho no espelho e vejo, não existe de verdade. Eu nem sei o que estou fazendo aqui, posto que não sou rainha. Ah sim. É porque serei, certo que é esse o destino das princesas. Nunca me disseram objetivamente que sou uma princesa. Ouvi dizer que sou filha de um lavrador qualquer. Mas torre, cabelão, espartilho, espera, tédio. Só posso ser uma princesa! Sou tão princesa quanto as outras e serei tão rainha quanto qualquer outra. Serei, tão logo ele chegue e peça pelas minhas tranças. Got it? Pedir as tranças. E eu jogarei as minhas tranças longuíssimas, nunca cortadas, totalmente imaculadas para que ele suba ao meu quarto. Hã-hã? Pois é. Óbvio assim. Eu, sentada nessa cama, trancada nesse quarto, no alto dessa torre, filha de um camponês e um rabanete, sem ser princesa nem ser nada, esperando alguém escalar minhas tranças virgens. Pelo amor de Deus. Me jogar do alto da torre é uma idéia recorrente, se eu não desconfiasse que meu cabelo enroscaria em alguma planta, me deixando viva, ensanguentada e meio careca. É no meio desse pensamento gore que o sujeito finalmente aparece. Alguma coisa no conto diz que eu estaria cantando lindamente e ele viria seguindo o som da minha voz. Não exatamente. Se qualquer transeunte dos arredores da torre me ouvisse cantar, compreenderia porque Frau Gothel me trancou aqui em cima. O príncipe veio foi atrás do meu som alto. A gente ouve um bocado de Black Metal quando está entediada, deprimida e precisa esfregar os azulejos do banheiro. Ele ouviu e, cabeludinho jogador de RPG e fã de metal que deve ser, veio atrás achando que poderia ser, talvez ,uma baladinha open bar. Ele chega. Pede as tranças. Eu já sei o que devo fazer. Todo mundo nasce sabendo. Olho pela janela. Ele tem um cavalo, não é branco, mas é um animal de porte respeitável. Dizem que as mulheres estão sempre interessadas nesse tipo de coisa, não? Eu jogo a trança. Ele sobe pela trança e, através da trança, chega aos meus aposentos para a nobre missão de me resgatar. Não sem antes receber sua nobre recompensa, evidentemente. Porque não basta subir pelos cabelos virgens de uma moça encarcerada numa torre: você tem que foder com ela também. Quem falou que o mundo é justo? Uma garota faz o que tem que fazer. Não tem muita graça enquanto ele está me libertando. Imagino que ele seja inexperiente ou esteja exausto da escalada capilar. Estou olhando para o espelho o tempo todo. Terminadas as formalidades, o rapaz reclama de sede, eu penso que ele deve estar mesmo exausto da escalada. Ofegante e ainda deslumbrando da virgindade perdidada e da roubada, ele bebe a taça de vinho um gole só. Não era uma taça pequena. Exausto e sem costume de beber, o pobrezinho dormiu depressa, sem ter nem tempo de vestir as ceroulas. Definitivamente terminadas as formalidades, eu abro a porta. Obviamente meu quarto tem porta, uma porta de madeira pesada e nobre. Uma bela porta. Destrancada. Bem como essa torre aqui também tem uma escada e uma outra porta lá embaixo. É estúpido pensar que não e que eu estaria trancada aqui. É uma idéia bem estúpida. Não sei da onde tiram essas idéias. Pois bem, eu abro a porta e me vejo mergulhada em liberdade. O cavalo está lá, esperando por ordens. Percebo que o príncipe deixou sua coroa pendurada no pito da sela, como se aquilo fosse uma moto e ele tivesse parado num posto de gasolina para comprar uma cerveja. Que tipo de idiota faria isso? Coloco a coroa e me torno uma rainha conquistadora. Uma rainha de golpe de estado, de ocupação pacífica, de guerra fria. Uma verdadeira rainha, por direito coroada. Monto no cavalo de pernas abertas, como um homem, e cavalgo em direção ao destino das rainhas. Quanto tempo agora? Quanto tempo até eu perder minha cabeça?


quarta-feira, 24 de março de 2010

It was a murder, but not a crime

Eu sou uma lâmina comprida suspensa por uma corda e unida a um portal de madeira. Meu nome é guilhotina e sirvo à revolução e aos homens como instrumento de tortura. Alguns diriam morte; eu acho que tortura é mais exato e mais bonito. Porque os que chegam a mim só chegam para causar terror nos que ainda estão por vir. Não sei se me faço clara. Sou a corda, a lâmina afiada, a madeira e o cesto onde as cabeças vão parar; também sou o apoio do pescoço do corpo do infeliz. E quantos infelizes já foram? Eu subo e desço em meio a risadas de escárnio. O povo me olha e ri junto: ri porque sou uma estrela! Escolhem uns franceses como marcos da Revolução, mas, francamente - eles só mandam que eu desça, mas quem é que corta jugular e carótida e estraçalha os ossos? C’est moi. E de quem eles lembram mais tarde? Eles os decapitados, é claro. Eu e o cesto, que também sou eu, somos a última coisa que aqueles olhos tristes e condenados vêem. Eu me divirto. Eu me regozijo. Eu desço rápida como um felino e dou um beijo fatal. É muito romântico, eu sou romântica demais para mim mesma. Eu só gostaria de poder andar pelas ruas da França e cantar aos meus súditos, pois é isso que eles são, cantar aos meus súditos cantigas de horror. Mas não posso, e eles vêm até mim. Você sabia, ah, mas eu aposto que não sabia, você sabia que o estado de medo é tal que vizinhos e parentes se acusam mutuamente por medo de virem a mim? Eu me delicio! Eu subo e desço, ritmada, com amor e ternura, e me vêm as cabeças e os aplausos, e no cesto elas sorriem para mim e para o próximo: foi bom para você? Ah! É ótimo! Agora vocês podem até ver. A mim está vindo alguém. Eu vejo a carruagem de madeira se aproximar e me vejo sendo polida. Afiam a minha ponta e eu me inundo de prazer. É uma moça que se aproxima, bem, talvez moça não lhe faça justiça, tem os cabelos bem brancos. Eu a encaro nos olhos nobres e cansados. Pode vir, minha querida, eu vou tratá-la com carinho. Rainha ou plebéia, ninguém passa por mim sem amor - ou com cabeça. Eu me rio e desço depressa. A cabeça no meu cesto é tão bela e triste quanto a que me encarou. Todas elas são. Todas elas são! Ah! Devo estar ficando doida.

terça-feira, 23 de março de 2010

Romanova


 
A revolução tinha cheiro de fruta cítrica. Anos mais tarde esse odor seria engarrafado em vidros coloridos e brilhantes, cada vez mais exóticos; mas por enquanto só a revolução cheirava a fruta cítrica. Combinava com embalagens vermelhas, pois a revolução foi vermelha. Anastasia era muito pequena para saber. A revolução se parecia com os jantares suntuosos que sumiram repentinamente. Ela daria todas as suas bonecas de porcelana por uma laranja ou bergamota. A cor forte de suco que parece que vai atravessar a casca. E suas bonecas de porcelana eram mesmo a única companhia. Os outros irmãos só sabiam chorar o dia inteiro. Anastasia gostava do cheiro de limão que vinha toda vez que as portas do palácio eram abertas e entravam aqueles senhores distintos e sorridentes. Bolshevik soava como um suflê de limão e tinha cheiro de flores. Anastasia era sinestésica. Quando o pai deixou de usar a coroa e foram todos presos num pequeno quarto no fundo do palácio, ela achou que as lágrimas dele se pareciam com os perfumes da avó; ela não sabia, mas o nome era almíscar, e as da mãe cheiravam a patchouli. As crianças também choravam como flores esmagadas. É assim que se faz perfume: água fervida e muitas pétalas espremidas, espremidas até que se tornem restos mortais. Os dias eram tristes na masmorra e logo ela parou de catalogar cheiros. Não era divertido sentir as cores, também; só havia cores de vestidos rasgados e orgulho ferido. E os sons eram doídos, agudos, não havia cheiro que pudesse traduzir aquele terror. O Exército Vermelho não se parecia mais com perfumes franceses, nem a vida mais se assemelhava à penteadeira da Imperatriz, há muito despedaçada e violada. Como qualquer fragrância, Anastasia tinha notas de entrada e de saída; as de saída eram suaves, vinham da Rosa da Bulgária e do cedro da Sicília. Trotsky não pôde deixar de sorrir ao mandar que o sangue fosse limpo das cadeiras.

domingo, 21 de março de 2010

Vida Seca

A primeira rainha do mundo surgiu numa das curvas do Golfo do México. Foi, é claro, sorte comum das rainhas, decapitada; mas não até muitos e muitos anos de governo se passarem. Tinha a pele escura e o cabelo da cor do nanquim. Naturalmente não conhecia nanquim nem kajal, mas a comparação lhe servia com justiça. A primeira rainha do mundo foi escolhida pelo povo. Ficava à frente nas batalhas e era excelente estrategista. A primeira rainha do mundo se comportava como alguém que Maria Antonieta chamaria de selvagem e que revoltaria o estômago das czarinas. E receberia a admiração suprema de todas as mulheres orgulhosas dos nossos tempos. Não se sabe ao certo o nome dela, da primeira. Conta-se entre umas poucas famílias mexicanas, antigas, intocadas pela seca, pelo silêncio e pelo desprezo, que a primeira rainha era muito mais baixa do que a estatura média da tribo, e que isso sempre a favorecia nas batalhas. Que corria mais rápido do que o vento e que se esterilizara tão cedo quanto sua menarca. A primeira rainha pegou em armas e sabia onde achar as melhores frutas para as crianças de seu povo. Então um dia se feriu na guerra. O corte na perna era longilíneo e sangrava todas as noites e todos os dias. E logo não podia mais andar direito. Caía. Nunca antes havia caído. Ralava os joelhos, feria os braços ao buscar apoio. Era uma cena de dar pena. Passou a ficar. nas linhas de trás, gritando comandos. Mas aos poucos a doença drenou também sua voz, e ela passou a sinalizar. Cada um dos membros da rainha foi sendo metaforicamente arrancado, sem qualquer anestesia, pois, mesmo se houvesse alguma à época, julgariam a rainha forte demais para merecê-la. Tão logo a rainha não podia mais indicar as melhores frutas, pois seus braços eram feridos e fracos; seus olhos se tornaram míopes, astigmáticos; a audição, que não era muito boa, antes compensada pela agilidade, passou a ser cobrada. A rainha, que fora a primeira figura de poder de toda a humanidade, agora era a primeira figura de passado. De uma glória hoje finda. A rainha ergueu bem o pescoço comprido e tirou do resto do seu orgulho a força para caminhar. Pensava em como acabar com aquilo. Para o bem do seu povo. Que viesse uma nova rainha, uma mulher forte e cheia de saúde, desempenhar o papel que ela agora descansava sobre a mesa primitiva, com suas plantas primitivas. E sua cabeça rolou pelo chão. Não por vontade própria, pois sua idéia era uma simples renúncia e um recolhimento às margens do rio, onde o Sol abraçaria sua pele escura com amor; o novo estrategista de guerra da tribo não era muito bom, ou talvez fosse um espião, e a primeira medida dos povos inimigos foi livrar-se da incômoda rainha. Teria sido mais correto que lhe arrancassem o coração, selando de outra forma a sorte de todas as mulheres rainhas, princesas ou imperatrizes, que desde lá ficaram assombradas para sempre por um busto sem cabeça; mas as tribos antigas não tinham qualquer noção de anatomia.

sábado, 20 de março de 2010

A Farsa de Inês de Castro

Ah, Inês! Que infeliz o seu destino. Inês foi de todas as rainhas da história a mais amada. Sem dúvida. E nem mesmo foi uma rainha. Essa é a infelicidade de Inês. A não-majestade. Ter sido brutalmente assassinada não foi o maior dos seus infortúnios. Veja, o mundo inteiro é composto inteiramente por gente infeliz. A gente é tão infeliz que isso se torna o padrão. O normal. E Inês ter sofrido uma injustiça e dessangrado não é muito diferente do que se vê por aí. Não a torna mais especial do que as outras. Mas Inês, ah, Inês! Inês deveria ter sido rainha, era bela, era culta, era nobre, tinha o amor do príncipe. Um amor desses que a gente lê muitos livros sobre, todos muito ruins, e inveja quando vê, e diz que não é de verdade, mas à noite chora só ao pensar. Inês fez com que o homem desafiasse pai e mãe e mandasse arrancar corações enquanto ceava. Inês teve seus filhos legitimados. Inês levantou a ira do rei e causou uma guerra. Inês de Castro até se tornou lenda e expressão popular! É muito para uma rainha, é o tipo de coisa que as torna inesquecíveis. E Inês não era uma rainha. É a triste ironia da vida. Inês tinha os olhos ligeiros e os dedos muito compridos; se na época fosse costume manter as unhas pintadas ela as pintaria de vermelho e rir-se-ia ao ser chamada de puta. Não que não tenha sido por não ter as unhas vermelhas. Inês de Castro ganhou alcunha de rainha: Inês a Puta. Inês de Castro gostava de dançar e preferia a Espanha a Portugal. Confidenciou a Pedro que o amor que sentia por ele era mesmo muito grande, para se sujeitar a reinar em Portugal. Portugal era suja e Inês era limpa. Portugal era pequena e Inês era grande. Portugal se sujeitava a infortúnios, Portugal não tinha glória, e o que reservava em comum com Portugal era o que mais doía a Inês a Puta. Só conhecendo Inês para perceber que os olhos cor-de-mel e o cabelo preto escondiam a expressão de desprezo que lhe escapava da boca quando chamavam seu amor de futuro rei. Ah, Inês. É impossível não admirar a sua sorte, e desejá-la aos nossos inimigos. Ganhar o maior amor do mundo e ter o pescoço cortado como o de um porco muito gordo. Só sentar ao trono em forma de cadáver e a sua decomposição emagrecer todos os habitantes do palácio, pois não se podia comer com o fedor de sangue derramado e de amor apodrecido. No fim você conseguiu o que queria, Rainha Inês de Castro e Portugal: não governou a sua pátria detestada, não governou a si mesma. Mas, ah!, agora de nada importa, pois Inês já é morta.



sexta-feira, 19 de março de 2010

Francisca


Não aceito o lugar que reservaram pra mim. Eu não aceito o lugar para onde o dedo de Deus apontou e disse - Eis sua sina, Francisca! Eu finjo que não ouvi o que Ele disse, quando me botou nesse mundo contra a minha vontade. Queria vir não, queria vir não... Eu vim de má vontade, a parteira sentada na barriga, empurrando, empurrando... Até que não teve jeito e eu vim. Eu vim, mas cuspo um escarro grosso de macaca selvagem sobre o destino que aprontaram para mim antes de eu nascer. Minha mãe, preta boa da pele viçosa, nascida sob o Sol da costa da Mina, me dizia no seu Iorubá triste e cantado que a vida seria mais leve se eu aceitasse as coisas como elas vinham. Mas as tais "coisas", essas coisas vieram de modo que eu vim preta, mulher e escrava. Como é que a gente carrega leve o fardo de vir para o mundo para carregar ele nas costas? Nunca fui boa cristã. As negras velhas de engenho e os padres me diziam que o fardo seria suave e que a recompensa seria grande se eu aceitasse as vida como Deus a quisera para mim. Deus me quis preta, mulher e escrava. Que tipo de filho de puta é esse? Nunca fui boa cristã, não senhor! E eu quando eu penso que, sim, teria sido mais fácil me conformar, umas lágrimas vermelhas escorrem no meu rosto negro. Quando a gente morre e ainda tem raiva, as lágrimas calham de serem vermelhas, sei não porque. Morri preta e velha, livre e prestigiosa, rica, muito rica, cheia de filhos que eram uns bons cristãos e belos mestiços. Mas a raiva passou, não. Porque a vida não teve bondade comigo. Eu tive que brigar com a vida a vida inteira. A vida inteira - e foi longa a vida! Uma bela briga de pretas, essa a vida e eu! Nasci preta e morri mais preta ainda, que o Sol dessa terra é bom, mas castiga a gente. Mas a vida - a longa vida! - a vida que eu tive foi de mulher branca. Eu entrei nas igrejas. a cabeça coberta de renda e pés escondidos em sapatos vindos não sei de onde, de longe, do além mar. De onde meu senhor João Fernandes achasse bom me mandar trazer. João Fernandes de Oliveira, o único senhor que eu tive na vida. Nem Deus, que queria que eu fosse preta, escrava e que meus filhos fossem filhos do vento, mortos de alguma doença de índio. Meu senhor é e sempre será João Fernandes de Oliveira, que me viu preta e escrava e compreendeu, não sem alguma argumentação, que estava tratando com uma legítima rainha. Rainha nagô na cor, francesa na luxúria, portuguesa na barriga boa e espanhola nas vontades. Ouvi uma história de uma rainha espanhola que afanou as jóias da coroa e deu para um homem viajar o mar e descobrir essa terra. Penso que ela era uma mulher esperta. Precisei não roubar do meu senhor porque tudo que ele quis de mim eu lhe dei, e ele me foi generoso. Contam que eu mandei cavar um lago em Diamantina e contruir um navio no meu quintal, de modo que eu não morresse sem conhecer uma vaga idéia de mar. Não é mentira. Vai você dizer que eu não merecia? Acabou que as coisas correram bem e eu fui feliz. Não foi uma vida boa, mas eu fui melhor que ela e fui feliz, muito feliz. Nasci escrava e me fiz rainha. E agora você volta algumas linhas e se pergunta sobre a minha raiva. Pensa nas minhas perucas de cabelo natural importadas da França, dos maneirismos de sinhá que eu aprendi, nos meus dentes perolados, no amor de uma vida inteira, um amor tão grande que rainhas coroadas ouviriam histórias e chorariam sua solidão no cantos dos palácios e seus jardins. É que raiva é coisa que nasce com a gente. Fui escrava de corrente no tornozelo e vendida de peito nu na feira e, mesmo assim, me fiz rainha da Diamantina. Cheia de raiva. Eu era melhor que a Diamantina, era melhor que meu doce João Fernandes e que meus filhos saudáveis e cristãos. Eu era melhor que a vida que eu tive. Não te dá raiva isso, sinhá? A mim dá. E muita.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Confecção de Coroas

Antes de tudo aqui se tem um compromisso com a verdade. Eis o compromisso, selado com um anel de ouro e um beijo caloroso na frente do padre: se a verdade é muito bonita, conte; se a verdade é muito feia, torne-a bonita. Então falemos a verdade, que é bonita à sua maneira: Morgana não era rainha nem princesa. Não falamos da Morgana le Fay, ou Fata Morgana, Princesa da Bretanha, que também teve umas verdades meio bonitas, e outras assustadoras. Essa Morgana era uma garota diferente. Onde a beleza entra é fácil de se ver. Aqui há sempre uma queda pelas injustiçadas e via de regra as rainhas e princesas foram injustiçadas, cada uma por um motivo, e todas tiveram um final - e, por vezes, um começo - tétrico. Essa Morgana era plebéia da região mais pobre de Portugal. Trabalhava no campo, e o campo naquela época era triste e cinzento, ainda mais do que os campos de hoje, onde se crê no idílio. As folhas mais bonitas já eram muito amarelas e a comida era escassa; quando havia, era mal-cozida, mal temperada, e não havia gosto em comer. Por isso Morgana era muito magra e muito fraca. Não conseguia correr pelos campos, mal tinha forças para colher as raízes mortas. Então Morgana lia. Claro, à época impressões eram caras, e o único material para se ler sempre era o jornal da coroa, que Morgana não entendia bem, mas sentia que não gostaria, se entendesse. O que Morgana lia eram as estrelas. Quando era muito cedo e o Sol ainda doía nos olhos míopes sem tratamento da moça, tentava procurar os pequenos pontinhos brancos no lábaro azul. Às vezes não conseguia, e sua mãe, com a cadência que só o português luso tem, lhe gritava para parar de olhar tanto para o céu, que seus olhos ficariam cegos. Morgana não discutia, pois a mãe também era fraca, e era dada a desmaios, e seus nervos eram delicados. Então Morgana começava a ler as vozes dos outros camponeses a gritar, lia as reações, lia os passos. Morgana se dedicava, sem saber, a ler a vida. E lia todos os dias, e lia com avidez; e quando chegava a noite lia as estrelas imaginando nelas as faces que lia durante o dia, e aos poucos começou a dar uma nova forma àquelas estrelas, e dar a elas novos sentidos, e descrever-lhes as órbitas, que ela nem sabia bem o que eram . É claro, o compromisso com a verdade não nos permite chamá-la de Rainha Morgana, Princesa Morgana, Imperatriz Morgana, nem de nada. Era só plebéia Morgana. Ninguém Morgana. Nada Morgana. Mas se seu coração não lhe conferia a realeza de cem mil coroas, então nenhuma outra rainha merece o título que tem.

 

quarta-feira, 17 de março de 2010

Palácio da Justiça

Maria que sugeriu que a coroação fosse na Abadia de Westminster. A Abadia era fétida e fria e Maria queria ver a coroa da Rainha da Casa de Tudor refletindo as pedras cinzas. Eu posso perdoar Maria. Fiz questão de presenciar seu próprio enterro, que não foi numa Abadia nem num mausoléu digno. Ou talvez tenha sido, pensando bem; Maria não era mesmo digna. Vejo professores, pois assombro professores, contando anedotas sobre Maria, que influenciava meu marido, que era amiga do Rei. Mas eu era mais que amiga do rei e veja só como hoje me apresento: só tenho cabeça em espírito, porque em espírito não tenho corpo. Eu ainda lembro bem daquela maldita espada fria, da cor dos olhos de Maria. Acho que foi uma vingança pensada. Henrique nunca deixou de gostar de Maria. Nem de Catarina, sejamos sinceros. Ah, eu mesma não gostava de Henrique. O melhor homem da Inglaterra em muito perdia ao pior da França. É que Henrique me proporcionou duas coisas: um, a realeza, e dois, a humilhação de Maria. Persegui Maria até o fim da vida dela. Durou muito, a infeliz. E folgo em dizer que foi infeliz mesmo. Eu pareço uma velha com essas fofocas. Mas é a satisfação post mortem, entendem? Fui destituída do poder de rainha, fui assassinada, fui acusada do que não fiz, e minha irmã, que aconselhou o rei a se desquitar, que aconselhou o rei a pedir a pena de morte, e que sussurrou ao pé do ouvido do rei que eu o traíra, é lembrada como uma dama de bom coração. Eu fui perseguida por toda a minha vida e por isso hoje me dedico a promover o caos em todos os corações infiéis. Infiéis em mim; cabe a Deus se preocupar com os que não o temem. Eu tomo o exemplo de Deus. Quando morri, uma voz torta, vinda da sombra, me disse: Você pertence à Terra, volte para a Terra. Passeei por Londres e por todos os condados. Achei minha irmã. Ah, Maria. Maria chorava muito e não era pela minha cabeça rolando no chão, sendo jogada numa caixa de madeira como se fossem os restos mortais de um animal. Maria estava sendo golpeada pelo marido. Lembro-me de ter visto papai batendo em mim; nunca em Maria, pele macia cheia de manchinhas avermelhadas. E agora o meu querido cunhado enchia de roxos a pele vagabunda de Maria Bolena. Uma morta não precisa esconder seus pecados. Eu sorri. Sou uma assombração sorridente, rio mole, me movo graciosa, tão graciosa quanto ser feita de vapor me permite; eu sempre fui requintada, bela, e não precisava de anáguas para isso. O mundo é cheio dessas imagens poéticas e simbólicas que despertam a curiosidade e a obsessão nas almas mais delicadas: gente sem cabeça, assombrações de torres, corações em punho. Eu explodi em minha alegria ainda não decomposta, sem um único verme a me devorar. Chora, Maria. Gritei Chora, Maria em seus ouvidos até o dia em que morreu. E morreu chorando. Nunca uma lágrima foi derramada por mim, mas quero o crédito que mereço por muitas dessas lágrimas. Eu nunca tive o que merecia. Mil dias. O que são mil dias? Estou morta há quinhentos anos! Meu irmão por vezes me segue na Torre. Ele gosta das minhas histórias sobre Maria e Joana. Não guardo rancor de Joana. Só pioro as histórias sobre Maria. Conto dos cabelos engrenhados e de sua estupidez submissa - Maria achava mesmo que devia obedecer por ser mulher - enquanto os sinos batem, e minha voz morta ecoa por toda a Londres, viajando junto com o vento, esfriando as cervejas quentes e arrepiando as espinhas dos infiéis. Conto as histórias e meu irmão ri, ri alto, seu espírito sem corpo balançando com as badaladas, e não contenho eu mesma o riso ao ver os infiéis fazendo o sinal da cruz. Depois nos damos as mãos e saímos a cantar: Chora, Maria, chora, Maria... Daqui até o túmulo de Catarina, o único lugar onde consigo descansar em paz.

terça-feira, 16 de março de 2010

Chapel Royal of St. Peter ad Vincula

Senhora,


Eu não perdi a cabeça por Henrique. Eu perdi minha cabeça por aquilo tudo. Foi uma época meio maluca, não foi? Eu fico pensando, pensando... Eu sento, coloco a cabeça no colo, aliso meus cabelos e tento mentalmente recosturar os fios da trama que me trouxeram até a A Torre. Algumas coisas eu não consigo me lembrar, penso que seja um efeito colateral de quando cortam a sua cabeça fora com uma espada. Não doeu nada, se a senhora tem esse tipo de curiosidade. Imagino que a doença que comeu seu útero por dentro tenha sido mais dolorosa. Tantas coisas são dolorosas nessa vida. Eu me lembro de estar em um baile. Eu era aia de uma rainha firme, bonita, muito amada. Os olhos o rei passeavam pelo salão, mas isso não tirava a dignidade de pedra da minha senhora, vestida de vermelho escuro. Lembro-me de passear pela corte em festa sem ser realmente vista. Os homens conspiravam contra o rei sem herdeiro e eu me perguntava porque uma menininha não poderia ser educada para ser rainha. Eram pensamentos vagos, eu não era vista, não via as coisas direito. Já viveu no limbo, senhora Catarina? Não é agradável. É escuro e viscoso. Eu odiava. Ser era uma sombra entre a senhora e minha irmã. A sombra sobre a minha vida era imensa. No fundo, eu não fazia parte de nada. Não haviam grandes planos para mim. Eu só ouvia a música, movia o corpo devagar, num canto perto de uma grande tapeçaria. E era lá que acontecia a única coisa que me garantia que eu estava vida e era humana e que eu tinha uma chance: eu desejava. Eu confesso sem culpa, Senhora Catarina, que Henrique e suas formas redondas, seu odor pouco agradável e suas maneiras grosseiras não me despertavam grande desejo. Era você, Senhora, era sua coroa, suas jóias de pedras enormes que nunca curvavam seu pescoço, seu andar altivo, seus olhar de mulher católica, suas mãos brancas de santa. Ah, eu desejava com meu corpo, minha lascívia, meu ódio e minha alma. Eu desejava ser vista, ser amada e ser rainha e não bastava ser qualquer rainha, tinha que ser você, Senhora. Bem... depois disso as coisas aconteceram como aconteceram. Quando aquele câncer te levou, eu desfilei toda vestida de Sol pela corte. Eu quis ser vista. Eu fui vista. Pode imaginar? Eu fui realmente vista. Nem quatro herdeiros homens nascidos de um mesmo parto, como se eu fosse uma gata, me fariam ter sido tão vista como eu fui no dia da sua morte. Eles me viam. Eles me odiaram. Henrique olhou para mim tanto e com tamanho ódio que me faz compreender e concordam em parte sua bela metáfora do lago gelado. Aqueles olhos azuis! Congelados! Eu era o Sol naquele dia. Eu era o próprio deus Sol e ele me congelou com um único olhar. Eu soube que estava morta naquele segundo. Não foi o carrasco francês, não foi a Torre de Londres, não foi a luxúria de Henrique, nem a necessidade de um herdeiro. Foi aquele dia, efoi meu vestido feito de luz de Sol, no meio da corte que silenciava o luto da rainha mais amada que jamais houvera. Eu fui rainha-consorte por mil dias. E sabe, Senhora, eu amei aquela coroa cada segundo desses mil dias. Eu a honrei com meu coração. Eu não me abaixei para nenhum carrasco, como a Senhora não se curvou para nenhum de nós. Eu a honrei, honrei seu marido e honrei sua coroa! Não sei se a Senhora concorda, mas penso que ser rainha é uma bela porcaria. O que me lembra que minha menina virou rainha! Uma rainha ruiva, protestante e sem consorte, pode imaginar como e com que intensidade a minha menina foi vista? Mil vestidos amarelos! É que Isabel tinha o sangue ruim do pai, sempre teve. E acabou que eu perdi a cabeça pela coroa que não era minha, mas que eu queria tanto! Ah, Senhora! Era pesada demais, era pesada demais...




Anna,
Aia de Catarina de Aragão, Marquesa de Pembroke, Rainha Consorte da Inglaterra, Assombração da Torre de Londres.


segunda-feira, 15 de março de 2010

Peterborought

Anne,


Henrique. Henrique é um lago gelado e num dia quente. A gente sente calor e tem vontade de mergulhar. Henrique convida a gente pra mergulhar. Mergulhar dentro dele de tranças soltas, só em pele e anágua. Henrique me quis. Imediatamente. Furiosamente. Henrique, quando convida a gente para mergulhar, parece que quer afogar a gente. Eu deveria ter sabido. Acho que eu soube, Ana. Eu mergulhei em Henrique e a água fria me deu espasmos musculares, alfinetas, dolorosas, meu coração queria parar de bater, meus pulmões queriam partir em milhares de pedaços. Eu soube, Ana. Mergulhar em Henrique era ruim, mas eu queria que fosse bom e - posto que eu era rainha e dona da vontade do mundo - era bom. Henrique era um lago gelado, Ana, e um dia congelou. Pode-se dizer que foi meu ventre avesso ao gene Y, pode-se dizer que eu já não era mais tão bonita, pode-se dizer que foi por sua causa... mas Ana, Henrique é um lago gelado e tudo que se pode esperar de um lago gelado é que ele congele quando o tempo muda. E o tempo muda, Ana. O que aconteceu foi que as estações passaram, mudaram e o inverno chegou para Henrique e, sendo eu um membro costurado ao corpo de Henrique, o inverno chegou pra mim também. Eu sempre fui bonita, Ana, mesmo congelada. Eu morri congelada amando Henrique, Ana. Amando em espanhol, latim, francês e inglês fluentes. Ninguém ama como os espanhóis, ninguém ama como se ama em espanhol. Ah, Ana, você não sabe! O sangue quente na água gelada! A verdade é que vocês me parecem todos lagos gelados, com seus milhares de pedacinhos brancos, afiados, boiando. Tão bonito! Ana, eu acho que você também é um lago muito frio. É uma ilha estranha essa de vocês. Eu sinto muito por você, Ana. Mas, me perdoe o comentário, depois de todos esses anos, me reservo o direito de achar uma certa graça. Meu túmulo em Peterborought está sempre florido e, lá dentro, Ana, tem uma cabeça grudada no meu corpo. Perdão. Não posso deixar de rir.



Catarina,
Infanta de Aragão, Rainha Consorte da Grã-Bretanha, e Princesa de Gales.

domingo, 14 de março de 2010

Festa a Fantasia

Can’t stop what’s coming, can’t stop what’s on its way, o vestido é pesado e o corpete é mais apertado até do que se espera de um corpete. Os sapatos são desconfortáveis e baixos, e ela queria ser a mais alta do salão. Mais até que os homens e quase tocar o lustre de cristal. O vestido também tem cristais, não são diamantes, ela pensa que o nome seja zircônia; brilham e machucam os olhos, um perigo para os portadores de olhos e cabeça que se encontrem na festa. Can’t stop what’s coming, can’t stop what’s on its way, é difícil ser princesa, é difícil ser coroada. O vestido da Princesa é imaculadamente branco e os brilhantes têm as cores do brasão da família. O vestido é odioso e o baile, de máscaras. Só mesmo a Princesa para ser coroada num baile de máscaras. Será inútil, pois mesmo que a máscara dela ocupe toda a sua cabeça a Princesa será reconhecível. A coroa da Princesa havia pertencido à mãe e era de ouro maciço, pesada demais para uma cabeça feita de vento, e mais pesada ainda para um pescoço solitário. You don’t need my voice, girl, you’ve your own. A Princesa pega sua máscara imaculadamente branca com os mesmos cristais das cores do brasão da família e desce com seu detestável vestido e seus sapatos torturantes. A cerimônia é rápida porque ninguém dá atenção à Princesa que se torna Rainha, nem à coroa que podia comprar as propriedades de todos os presentes. É duro para a Princesa. Eu posso entendê-la, qualquer um pode. É triste saber que a gente nunca vai ser tão bom quanto os outros. A Princesa dança a noite inteira e recebe com doçura as homenagens que lhe são cabidas e prestadas com essa mesma consciência. No dia seguinte encontram a Princesa com a máscara ainda no rosto e a corda enfeiando sua delicada gargantilha de ouro.

 

sábado, 13 de março de 2010

Maria Francisca Isabel Josefa Antónia Gertrudes Rita Joana de Bragança e Portugal

Maria virou a Louca no fim da vida, nas duas últimas décadas. Era uma falta de finesse. Maria gostava de ser chamada de Maria Primeira porque afinal era isso que era, era Maria Primeira, não Maria a Louca. Era um desrespeito, uma desconsideração com sua delicada coroa de primeira, não de louca. Também a chamavam de Pia. Maria não era piedosa ao aumentar os impostos e ouvir com interesse sobre pessoas passando fome. Maria era Primeira, nem Louca nem Pia; pois nada havia de louco em suas idéias mórbidas, que tinha o cuidado de guardar para si, nem nada de pio havia em seus fingimentos religiosos. Maria gostava de ser Primeira mas deixava que a chamassem de Pia. Pia era melhor do que Bragança. Maria Primeira. Primeira era até melhor do que Rainha, porque tantas antes haviam sido rainhas; só ela era Maria, por isso era Maria Primeira. Primeira não vacinou os filhos e mandou expedições para pesquisas científicas ao Brasil. Um dos filhos morreu, um ourives foi enforcado. Maria gostou das notícias. Achou que agora poderia parar de guardar para si. Ouviu Maria Antonieta pedir ajuda durante a Revolução e sorriu mostrando os dentes bem escovados com graça de rainha. Primeira não gostava de Maria Antonieta, a começar porque se chamava Maria também. Maria a Louca ergueu as duas sobrancelhas bem alto quando soube que a cabeça de Maria Antonieta estava agora servindo de modelo de natureza morta para uma pintura. Uma rainha sem cabeça, riu-se Maria a Louca, que serventia tem ao mundo e à Europa uma rainha sem cabeça? E riu-se outra vez e foi à missa.

sexta-feira, 12 de março de 2010

Rokudaime Yamaguchi-gumi

Para a princesa Aiko e a princesa anônima do formspring.

Akemi, Manami, Setsuko, Takara eram todas umas putas. Sempre foram. Desde que seus rostos eram redondinhos e seu riso vinha fácil mostrar os dentes de leite., as canelinhas finas nas meias felpudas. Umas putas para o gosto dos piores pedófilos. Literalmente agora. Deixe-me falar uma coisa sobre garotas bonitinhas de alta sociedade: quando o pai delas cai em desgraça e estado confisca todos os bens da família, a mãe enfia um punhal entre os peitos e os irmãos se metem com cocaína, sobram poucas opções. Considerando que esta é a nação dos pedófilos, reprimidos mepervertidos, é um ótimo negócio virar puta. Melhor negócio ainda é agenciá-las, porque você não se suja. Agenciar prostitutas não é negócio para mulheres nessas ilhas. Ryuu é o dono delas. Aiko é dona de Ryuu. Eu sou Aiko. Aiko um dia foi princesa. Ryuu um dia não foi porra nenhuma. Ryuu caído exausto na cama queen size, a respiração pesada e barulhenta, os membros esticados. Aiko sorri. Ryuu é uma estrela. Aiko tem raiva - e isso você já percebeu - mas não culpa apenas as garotas, porque é pelos garotos que elas fazem tudo. É pelos garotos que elas debocham, é pelos garotos que elas levantam a saia da gente no corredor, dizem coisas tristes sobre o útero de nossas mães e puxam nosso cabelo. Para que elas pareçam dignas em comparação à nossa desgraça. É que dos meninos é mais difícil guardar os nomes. São desimportantes. Mais desimportantes ainda, agora que são corpos. Corpos cujos olhos se liquefazem lentamente e as pontas dos dedos ficam verdes e o céu da boca vira moradouro de vermes... Bem, esse tipo de coisa não tem nome e nem se impressiona com muita coisa. Quando Aiko se casou com Ryuu obviamente ela perdeu o título de princesa. Aiko nasceu sabendo que jamais chegaria a ser rainha. Talvez por isso fosse tão atraente puxar minhas tranças e me fazer chorar. É algo de grande porte - e relativamente simples - humilhar uma princesa destinada a decair. Crianças de 5 anos sabem de muita coisa sobre o mundo. Aiko não tem uma coroa. Os jornais, como as meninas, são maldosos e dizem que Aiko perdeu a cabeça quando perdeu a majestade. Aiko discorda. Aiko monta nas costas de Ryuu. Quando um líder de ninkyō dantai morre e não há ninguém para substituí-lo, a esposa assume o comando. Olá, Akemi, Manami, Setsuko, Takara! Meu nome é Aiko. Eu sou a dona de vocês agora.


Sangue absolutista

O marido da Rainha Sem Cabeça não era rei e tinha cabeça. O marido da Rainha Sem Cabeça não tinha era olhos; para ele a Rainha Sem Cabeça ter cabeça ou não era indiferente, pois não via nem seus cabelos nem seus olhos nem podia descrever a pele, que não sabia a que cor atribuir, ou mesmo o que era uma cor. O marido da Rainha Sem Cabeça a seguia por todos os lados, quando a Rainha Sem Cabeça conseguia ou se dispunha a andar. Não era sempre que ela o fazia, então, na maior parte do tempo, o marido da Rainha Sem Cabeça sentava-se ante a uma mesa de xadrez e uma garrafa de whiskey e tateava as peças e o tabuleiro com cuidado. Jogava sozinho e sua peça preferida, ora que dúvida, era a Rainha. A Rainha tinha cabeça e uma coroa pontuda e gelada. O marido da Rainha Sem Cabeça sempre se perguntava de que cor era a coroa de sua esposa; fora informado, é claro, que a Rainha Sem Cabeça há muito não podia usar uma coroa. Mas já tivera uma e nunca o deixara tocá-la. O marido da Rainha Sem Cabeça só ganhava com as peças pretas e sempre com a Rainha parada diante do Rei. A Rainha era tão mais útil do que o Rei. A Rainha dominava o tabuleiro enquanto o Rei dava passadas tímidas, insignificantes para a guerra. A Rainha, sim, governava. O marido da Rainha Sem Cabeça movia suas órbitas vazias para onde sua amada esposa decapitada se encontrava, seguindo o cheiro do sangue real. Sorria com a coroa da Rainha Sem Cabeça sobre o seu próprio crânio intacto. La guerre c’est moi.

quinta-feira, 11 de março de 2010

Antes de mais nada

Eu sou uma rainha. Bem, seria se eu tivesse cabeça que se pudesse coroar. Não que minha cabeça seja indigna de coroação, é que eu simplesmente não tenho cabeça alguma. Dois pés, pernas, coluna, abdome, tórax, e pescoço de rainha, mas nenhuma cabeça. Uma peculiar rainha sem cabeça. Uma rainha descabeçada, se preferir um termo divertido. De vez em quando eu tenho sede. Uma terrível sede de água. Quando bebo água, ela escorre pelo meu pescoço, colo e alguns filetes de água fria chegam a barriga me dando um arrepio indencente. O resto dela se espalha pelo chão e, enventualmente, molha meus pés e a barra bordada do meu vestido. Não é satisfatório. Eu ainda tenho sede. Sede de água inodora, insípida e incolor. Água dessas que só existe em jarros de prata, se jarros de prata e bacias em quartos de dormir ainda forem coisas que existam. A única coisa que umedece minha garganta é o sangue. Sangue é coisa que não mata a sede da gente. Quando você é uma monarca absolutista sem cabeça, as pessoas não se importam com a qualidade da água que vão te servir, sabe? Parece que fazem por maldade. Mesmo sem nariz eu quase sinto o cheiro da água fétida e contaminada que pretendem que eu beba. Minha vingança é não ter cabeça e não poder beber nada. Tem muita maldade nesse mundo, sabe? Muita maldade para pouca monarquia. Muita maldade para pouca ou nenhuma cabeça. Ah, essa conversa está me dando enxaqueca. A vingança deles é essa. É ter me tirado a cabeça e ter me deixado com a dor. Quereria tomar um comprimido, mas como é que eu vou engolir essa porcaria sem um gole d'água?


terça-feira, 9 de março de 2010

Orgulho e Sensibilidade

Não é que o mundo esteja contra você. É que em primeiro lugar o mundo não pode te compreender. O mundo é vasto e compreende tundras e desertos. O mundo suporta ventos que quebram a barreira do som, tempestades que desabrigam famílias. O mundo faz tudo isso sem um pingo de remorso, sem uma gota de comiseração. O mundo se diverte. O mundo vê um adulto infeliz que trabalhou o dia inteiro e se sente desprezado pelos filhos e ri com escárnio. Ele não está contra você; ele só não liga. O mundo é duro, passou por muita coisa, tempestades estelares e asteróides visitantes rachando toda a sua estrutura, manchando a crosta terrestre, o mundo guardou muita coisa desde o seu núcleo. Você bem deve saber que lá dentro há metais fundidos em temperaturas inimagináveis, queimando o planeta, dando energia. Talvez isso seja a raiva toda. A resposta às crueldades da natureza, aos tapas que leva na cara. É que o mundo não te compreende, embora devesse, embora ele faça o mesmo que fizeram com ele, e ele tenta te ensinar como foi ensinado. Talvez no fundo ele queira o seu bem.

 
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