terça-feira, 16 de março de 2010

Chapel Royal of St. Peter ad Vincula

Senhora,


Eu não perdi a cabeça por Henrique. Eu perdi minha cabeça por aquilo tudo. Foi uma época meio maluca, não foi? Eu fico pensando, pensando... Eu sento, coloco a cabeça no colo, aliso meus cabelos e tento mentalmente recosturar os fios da trama que me trouxeram até a A Torre. Algumas coisas eu não consigo me lembrar, penso que seja um efeito colateral de quando cortam a sua cabeça fora com uma espada. Não doeu nada, se a senhora tem esse tipo de curiosidade. Imagino que a doença que comeu seu útero por dentro tenha sido mais dolorosa. Tantas coisas são dolorosas nessa vida. Eu me lembro de estar em um baile. Eu era aia de uma rainha firme, bonita, muito amada. Os olhos o rei passeavam pelo salão, mas isso não tirava a dignidade de pedra da minha senhora, vestida de vermelho escuro. Lembro-me de passear pela corte em festa sem ser realmente vista. Os homens conspiravam contra o rei sem herdeiro e eu me perguntava porque uma menininha não poderia ser educada para ser rainha. Eram pensamentos vagos, eu não era vista, não via as coisas direito. Já viveu no limbo, senhora Catarina? Não é agradável. É escuro e viscoso. Eu odiava. Ser era uma sombra entre a senhora e minha irmã. A sombra sobre a minha vida era imensa. No fundo, eu não fazia parte de nada. Não haviam grandes planos para mim. Eu só ouvia a música, movia o corpo devagar, num canto perto de uma grande tapeçaria. E era lá que acontecia a única coisa que me garantia que eu estava vida e era humana e que eu tinha uma chance: eu desejava. Eu confesso sem culpa, Senhora Catarina, que Henrique e suas formas redondas, seu odor pouco agradável e suas maneiras grosseiras não me despertavam grande desejo. Era você, Senhora, era sua coroa, suas jóias de pedras enormes que nunca curvavam seu pescoço, seu andar altivo, seus olhar de mulher católica, suas mãos brancas de santa. Ah, eu desejava com meu corpo, minha lascívia, meu ódio e minha alma. Eu desejava ser vista, ser amada e ser rainha e não bastava ser qualquer rainha, tinha que ser você, Senhora. Bem... depois disso as coisas aconteceram como aconteceram. Quando aquele câncer te levou, eu desfilei toda vestida de Sol pela corte. Eu quis ser vista. Eu fui vista. Pode imaginar? Eu fui realmente vista. Nem quatro herdeiros homens nascidos de um mesmo parto, como se eu fosse uma gata, me fariam ter sido tão vista como eu fui no dia da sua morte. Eles me viam. Eles me odiaram. Henrique olhou para mim tanto e com tamanho ódio que me faz compreender e concordam em parte sua bela metáfora do lago gelado. Aqueles olhos azuis! Congelados! Eu era o Sol naquele dia. Eu era o próprio deus Sol e ele me congelou com um único olhar. Eu soube que estava morta naquele segundo. Não foi o carrasco francês, não foi a Torre de Londres, não foi a luxúria de Henrique, nem a necessidade de um herdeiro. Foi aquele dia, efoi meu vestido feito de luz de Sol, no meio da corte que silenciava o luto da rainha mais amada que jamais houvera. Eu fui rainha-consorte por mil dias. E sabe, Senhora, eu amei aquela coroa cada segundo desses mil dias. Eu a honrei com meu coração. Eu não me abaixei para nenhum carrasco, como a Senhora não se curvou para nenhum de nós. Eu a honrei, honrei seu marido e honrei sua coroa! Não sei se a Senhora concorda, mas penso que ser rainha é uma bela porcaria. O que me lembra que minha menina virou rainha! Uma rainha ruiva, protestante e sem consorte, pode imaginar como e com que intensidade a minha menina foi vista? Mil vestidos amarelos! É que Isabel tinha o sangue ruim do pai, sempre teve. E acabou que eu perdi a cabeça pela coroa que não era minha, mas que eu queria tanto! Ah, Senhora! Era pesada demais, era pesada demais...




Anna,
Aia de Catarina de Aragão, Marquesa de Pembroke, Rainha Consorte da Inglaterra, Assombração da Torre de Londres.


6 comentários:

Julia disse...

O que eu estou achando O MÁXIMO é que nos dois textos tu usou justamente a coisa que eu achei que tu usaria. O vestido de sol é tão poético, né? Ainda lembram do Luís por isso. hahahaha

Anônimo disse...

Afim de respeitar o decreto procurei por palavras que tornassem o texto mais elaborativo do que o simples "AH. Meu. Deus." que inicialmente iria postar.

Não consegui então digo que não pensei nada. Não refleti nada. Só senti.

Senti.

bruna disse...

o grande negócio é ser lembrado e ter sua história inspirando textos pro resto da vida de todo o mundo e tal. acho que vale perder a cabeça, né? eu perderia, digo. só pra ostentar uma dessas coroas. que eu enfie no cu, que seja. na hora deve ser muito incrível.

Tangerina disse...

Caralho.

(♥)

Nada que eu já não esperasse vindo de você. Foda como sempre.

Letícia Dias disse...

E agora, a resposta da Ana! Adoro :)

Nunca tinha encarado dessa maneira! Sabe, como se a Ana na verdade admirasse a Catarina e por isso, mais do que por qualquer outra coisa, tivesse roubado o Henrique...

Bianca Caroline Schweitzer disse...

aaah, não! nos de um pouco da sua fodastidade, vocês duas aí D:

err, eu amei sim, é claro

 
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