domingo, 28 de março de 2010

A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 3


 She's a Killer Queen
Gunpowder, gelatine,
Dynamite with a laser beam
 

 O reinado de Arthur durou trinta anos e depois ele foi dado como desaparecido. Foi pranteado e ganhou um enterro simbólico, com os melhores bardos da Inglaterra e violinos Stradivarius. A música que lhe foi dedicada fora decidida pela rainha, que não tinha qualquer noção de instrumentos ou notas, mas dera ao maestro uma idéia e supervisionara os arranjos. A rainha não derramou uma lágrima e o povo viu - mas o povo ficou ao seu lado. Guinevere desinteressante, Guinevere sem graça, Guinevere pudica. O povo adorava. O povo se enxergava nela. A perdedora que virou uma rainha só por causa de cavalos. Essa era a parte preferida dos contadores da história, porque até aquele momento todos já conheciam, bastava ter um avô vivo para saber. É que a lavadeira da rainha esfregou os lençóis mais vermelhos que o país já havia visto. E Guinevere não tentara esconder o machado. Ninguém sabia de onde ela tirara o machado. Talvez do jardim; talvez tivesse um caso com o jardineiro! Talvez tivesse pedido a Lancelote! Mas Lancelote chorava tanto pela morte do rei e definhara logo em seguida... a verdade que as histórias tentavam sondar era muito simples. Um dia Guinevere achou que já tinha esperado demais. Transformara-se numa violenta supernova. Sua força era tão grande e assassina que a galáxia seria reduzida a pó. Arthur fora dormir jurando à esposa que a Bretanha agora estava em paz e não acordara porque não se pode acordar sem uma cabeça colada ao corpo. O machado era muito pesado para as mãos delicadas e sem calos de Guinevere. A coroa era muito dourada para a cor apagada dos cabelos de Guinevere. Ela era tão doce e insignificante que sequer foi acusada de matar o marido. Afinal, Guinevere o amava. Talvez não como amava Lancelote, porque amar Lancelote era amar a vaidade e a vaidade era ela mesma, e acima de tudo Guinevere amava a si mesma, até que Lancelote definhou pela morte do rei e ela mandou enterrar o corpo de Lancelote no sul da Inglaterra, onde o verão durava seis meses, a milhas e milhas do corpo do rei. Mas Guinevere também amava Arthur e sua gentileza, Arthur e seu amor, Arthur e sua ingenuidade. E a coroa de Arthur. Com o corpo, a espada e a cabeça desaparecidos em alguma vala da Escócia, onde Guinevere seria enterrada dali a quinze anos, a cerimônia em memória do rei mais querido e controverso da Inglaterra - até aquele momento, é claro - terminou com a rainha subindo ao trono vazio e recolhendo a coroa. A coroa dourada, pesada, encrustada, arranhada, ferida, com sangue. A coroa de rei da Rainha. Guinevere ergueu-a aos céus e a trouxe devagar para a própria cabeça, com as próprias mãos, os próprios arranhões, feridas, sangue, a coroa que ela merecera por cada segundo de trinta anos, não pelos cavalos, mas pela força sideral que carregava, mais pesada do que a coroa, mais dourada do que a coroa. Todos a olharam. Guinevere era agora a jóia mais brilhante de todo o mundo. Ninguém questionou a Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha.

4 comentários:

Stefany Monteiro disse...

Minha nossa, que arrepio louco.
Apesar de eu sempre acabar enxergando a Guinevere como a boa princesa e ter o pensamento infantil de que ela podia ter amado os dois - sim, é assim que eu sempre vi -, sua versão ficou tão... foda.
Sei lá, foi fundo. Deu pra sentir todo o ódio dela, mesmo.
... ah, sei lá, amei. ♥

PS: Killer Queen! ♥

Mayra disse...

30 anos...

Renata Paiva disse...

Acho que, dos teus textos no Rainha, essa trilogia foi o mais bonito de todos.

Tangerina disse...

Killer Queen para a Guinevere? Ela não merece!

Tá, parei.

Ficou foda, Júlia. Foda, foda, foda. Mas eu ainda não consigo gostar da Guinevere. Eu também não gostava do Lancelot, mas você me fez criar até uma certa simpátia por ele. Mas a Guinevere? Bleargh.

Mas claro, ficou lindo seu texto. Como sempre. ♥

 
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