sexta-feira, 26 de março de 2010

A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 1

An engine, an engine
Chuffing me off like a Jew
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen
I began to talk like a Jew
I think I may well be a Jew
Essa história é a mais peculiar, contava-se pela Bretanha em sussurros observados. E toda vez que era contada começava bem assim: essa vai te impressionar! Era a história não de uma rainha que era morta pelo marido, mas de um rei que perdia a cabeça. Assim, literalmente: jugular partida e a cabeça de um lado, o corpo de outro. E pela esposa. Que saiu impune. Peço desculpas por já ter contado o final da história, mas é que os camponeses - e cavaleiros, e cozinheiros, e todos os habitantes da Inglaterra - contavam assim mesmo, o fim e depois os detalhes, que os ouvintes sempre aguardavam avidamente. Pois bem, diziam os contadores da história, era assim. Você sabe o Rei Arthur... e eram imediatamente interrompidos pelos ouvintes, sempre, isso sempre acontecia: não, você não quer dizer que o rei decapitado era o Rei Arthur! Os que sabiam contar histórias só balançavam a cabeça como se tivessem pena da impaciência do seu público. E continuava: escute só, tinha o Rei Arthur. Ele era um rapaz jovem e destinado a ser rei. Bobagem aquilo da espada na pedra. Na verdade a espada do pai dele, que era o rei antes, só foi colocada sobre o caixão, e o Arthur pegou e jurou à mãe sobre a espada que seria um rei tão bom quanto ele. E foi isso. Mas então. O Arthur só podia ser coroado, vocês sabem, se tivesse uma rainha consorte. (Essa história, naturalmente, se perdeu com o tempo nas outras histórias da Grã-Bretanha e do mundo, mas na época todos sabiam que só se podia ser rei com uma rainha consorte, e só se podia ser rainha se se tivesse um marido. Podia-se governar, mas o poder se concentraria nos pais ou irmãos casados. Como isso era fato conhecido por qualquer cidadão ou escravo, era deixado de lado nas narrativas.) Ele procurou em muitos países e recebeu muitas ofertas, porque afinal todo pai queria ser pai da rainha. No fim, aceitou uma oferta de cavalos. Nem olhou para a noiva. É que o Arthur era assim... eu não o conheci (uns raros contadores da história haviam conhecido), mas é o que se diz, meus avós eram do tempo dele, o Arthur era desse jeito: ele era um negociador, e não é à toa, não nos governou por trinta anos? E mandou um amigo ir buscar os cavalos e a noiva. O amigo, é claro, se chamava Lancelote. Essa parte vocês conhecem da lenda (é estranho de se pensar, mas a lenda de Rei Arthur ficou famosa pela traição): lá ele encontrou a Guinevere. Aqui as histórias variavam. Algumas versões falavam de uma mocinha feiosa e irritada; outras, falam que o que lhe faltava em beleza era recompensado em ternura; mas a maioria concordava, e seria verdade mesmo se divergissem, que Guinevere era mesmo uma princesa, era mesmo uma rainha. Que usava os cabelos bonitos e sedosos em tranças e que tinha a pele delicada. Esses são, é claro, os atributos clichê de princesas e rainhas antigas, e Guinevere não era como qualquer clichê. É difícil explicar porque, se você nunca viu uma mulher como ela, não vai entender. Mas tentemos, porque os britânicos tentaram por muitas décadas. Tentemos umas idéias mais exatas. Guinevere não gostava do cheiro de flores; tinha algumas sardas nos ombros, por causa dos vestidos sem mangas que usava no País do Verão; havia rugas na volta dos seus olhos, pois sorria muito; secretamente sofria de uma síndrome que ainda não tinha nome mas nos dias atuais chamamos de síndrome do pânico; era alta e esguia; seus cabelos não eram dourados, mais pareciam ser de prata; e, como carregava a cor do segundo lugar na cabeça, também sempre seria um segundo lugar. Perto de qualquer outra rainha, e todas as histórias concordavam nesse ponto, Guinevere sequer seria notada. Qualquer mocinha bem vestida da corte lhe roubava a atenção e atraía para si todo o interesse. Não fossem os cavalos, Guinevere jamais teria casado com o Grande Rei. Essa era a frase mais popular. Foi um ditado, até, por muitos anos. Lancelote buscou Guinevere e olhou-a nos olhos cinzentos e sem graça e a amou com uma fúria raras vezes vista. Guinevere o amou da forma mais comum possível. Os românticos, e naquela época só sobrevivia à Inglaterra quem fosse muito romântico, gostavam de dizer que era uma ironia ímpar. Lancelote, que era excepcional, e amava excepcionalmente, só recebia da simples e desinteressante Guinevere um amor simples e desinteressante. Mas ele aceitou, o Lancelote. E levou a rainha para o rei com um peso no coração...

 

2 comentários:

Tangerina disse...

Guinevere... *calafrios*

Sabe, na minha cabeça, a Guinevere sempre seria a mocinha amada e desejada (ela foi construída assim na minha infância, culpe os contadores de história), enquanto a Morgana era a bruxa má (e eu sempre a achei boa, haha) e ela ainda traiu o Arthur, meu irmãozinho-de-nome-qqqqqq. Mas enfim.

Ver a sua versão me diverte, como sempre. Quero ver logo as outras partes. Tsc, ainda quero um tutorial seu sobre como escrever, hahah.

bruna disse...

primeiro: daddy (L) brumas (L)

guinevere, coitada, mais incompreendida impossível. era a mentezinha cristã dela. mas e a morgana. sabe? tipo, mulheres. elas sempre tentam ter o mundo nas mãos, controlar. não deu, né. bibi.

 
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