sexta-feira, 12 de março de 2010

Sangue absolutista

O marido da Rainha Sem Cabeça não era rei e tinha cabeça. O marido da Rainha Sem Cabeça não tinha era olhos; para ele a Rainha Sem Cabeça ter cabeça ou não era indiferente, pois não via nem seus cabelos nem seus olhos nem podia descrever a pele, que não sabia a que cor atribuir, ou mesmo o que era uma cor. O marido da Rainha Sem Cabeça a seguia por todos os lados, quando a Rainha Sem Cabeça conseguia ou se dispunha a andar. Não era sempre que ela o fazia, então, na maior parte do tempo, o marido da Rainha Sem Cabeça sentava-se ante a uma mesa de xadrez e uma garrafa de whiskey e tateava as peças e o tabuleiro com cuidado. Jogava sozinho e sua peça preferida, ora que dúvida, era a Rainha. A Rainha tinha cabeça e uma coroa pontuda e gelada. O marido da Rainha Sem Cabeça sempre se perguntava de que cor era a coroa de sua esposa; fora informado, é claro, que a Rainha Sem Cabeça há muito não podia usar uma coroa. Mas já tivera uma e nunca o deixara tocá-la. O marido da Rainha Sem Cabeça só ganhava com as peças pretas e sempre com a Rainha parada diante do Rei. A Rainha era tão mais útil do que o Rei. A Rainha dominava o tabuleiro enquanto o Rei dava passadas tímidas, insignificantes para a guerra. A Rainha, sim, governava. O marido da Rainha Sem Cabeça movia suas órbitas vazias para onde sua amada esposa decapitada se encontrava, seguindo o cheiro do sangue real. Sorria com a coroa da Rainha Sem Cabeça sobre o seu próprio crânio intacto. La guerre c’est moi.

2 comentários:

Mayra disse...

A gente tá ficando doida.

Bianca Caroline Schweitzer disse...

eu adoro como escreve. é tão... refrescante

 
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