terça-feira, 16 de novembro de 2010

Average


Não é especialmente bonita, o cabelo é da mesma cor da pele, corte pouco ousado que não valoriza as linhas comuns do rosto; nem muito magra, nem gostosa. Não chama atenção. Média. Gosta de vestir tons pastéis e tons de terra. Filha de um sujeito rico, dono de alguma coisa, tem uns irmãos bem mais legais e descolados que ela. Estudou em bons colégios, tirou sempre boas notas. Até o momento não deu mostras de talento. Gosta de História da Arte, sonhou em ser princesa quando criança e tinha fotos do Príncipe William na parede do quarto quando quase adolescente. Dizem que seu romance floresceu em uns momentos a sós na casa de Balmoral, uma agradável locação que Camila conheceu melhor que Diana. (O chão desses pequenos castelos é manchado de sangue e de porra, espero que ela saiba. Essas garotas são esperta, ela deve saber.) O emprego de meio período na empresa do pai não lhe pareceu muito realizador, mas sabemos que nem mesmo uma princesa pode ficar sem trabalhar hoje em dia sem ser criticada. (Todo mundo está vigiando a gente o tempo todo, não importa quantos acordos a gente tente fazer com a impresa. Os olhos deles estão sempre espiando quando a gente passa). Comprou uma câmera fotográfica bem cara, conheceu Mário Testino e acha que é fotógrafa. Bem-vinda, Lady Kate Middleton. Sente, cruze as pernas como uma moça e tente impressionar. Os tapetes onde você perdeu a virgindade parecem ser de bom agouro e tudo mais, mas é bom manter em mente que esse anel de safiras no seu dedo custou uma cabeça de rainha. Uma rainha das grandes. Bem-vinda e muito boa sorte.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Where is our Queen? Where is her flag?

 
É decididamente irônico, concluiu a princesa, se soerguendo do carro em chamas, que eu tenha tentado morrer duas vezes e só tenha conseguido quando não fazia mais questão. O asfalto estava quente, ou estaria, se ela estivesse viva e sua pele ainda pudesse absorver qualquer coisa. Ela também teria suspirado se pudesse suspirar. A ironia em vida tem um gosto gelado e seco; é como engolir vidro, se você pudesse engolir vidro. A ironia em morte é parecida, mas tudo na morte vem acompanhado de uma inenarrável e inexplicável paz. É como engolir vidro, mas não parece tão ruim. A princesa equilibrou-se nos pés mortos e examinou a si mesma no chão, as pernas quebradas e retorcidas e cicatrizes novas pelo corpo. Não tardou a sentir novamente os flashes das câmeras. A perseguição em vida tem um gosto adstringente e enjoativo; é como engolir comida estragada, mas precisar engoli-la. A perseguição em morte tem gosto de raiva, mas a princesa de Gales sente tanta raiva, em vida e em morte, que a raiva tem gosto de tédio, de um rolar de olhos impaciente, de preguiça de deparar-se com o próprio rosto em mais jornais e revistas do que sua memória pode registrar. Durante a morte, a princesa não pensou no ex-marido. Charles ocupava seus pensamentos e seu sangue havia tempo demais; mas agora ela sequer podia se surpreender por não conseguir lembrar-se de sua existência. A princesa caminhou etérea sobre o próprio corpo, o corpo do namorado e o do motorista mortos, subiu nos restos do carro e viu-se novamente fotografada, dez cliques por segundo, quinze cliques por segundo, até que seus olhos mortos doessem. Seu corpo foi dilacerado vezes demais; quando viveu com Charles, quando tentou morrer, quando o carro bateu, quando seus ossos todos se partiram, quando as câmeras captaram a luz de sua morte e não conseguiram visualizá-la serena, fantasmagórica, raivosa e entediada sobre a última imagem que o mundo veria dela. A morte não tem gosto, e a Princesa Diana de Gales deixou-se sumir da existência com uma primeira e última satisfação.

 
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