sexta-feira, 20 de maio de 2011

Tightrope


 Essa rainha em especial não tem quem escreva por ela. A corte, as damas de companhia, a cavalaria, os cavaleiros, os serventes. Ninguém que escreva por ela, que lhe dê uma face poética, que a represente com uma pintura grandiosa que um dia será trancafiada num museu que ninguém visita. No entanto a isso a rainha dirige um semblante de indiferença e um suspiro; sempre seus suspiros. Vai morrer com os pulmões limpos porém sempre virtualmente inúteis, ainda que não saiba. É como se respirasse com outros órgãos. Aquela metáfora velha e gasta de respirar com o coração mas talvez, caso alguém escrevesse por ela, se pensasse em dizer que na realidade a rainha respira através da coroa, uma inspiração e expiração extra-corpóreas, e pela própria distância entre seus órgãos e a coroa mais difícil, lenta, trabalhosa, ansiosa, debilitada. Muitas metáforas são possíveis quando você tem quem escreva por você: alguém dotado de criatividade e bom pulso poderia falar sobre os espelhos do quarto, como mostravam diversos ângulos da rainha, por isso mesmo todos questionáveis, mas quem entrasse no quarto via os espelhos e os reflexos e os deflexos, de modo a nunca saber exatamente como eram os olhos da rainha ou as maçãs do rosto da rainha; alguém dotado de criatividade e bom pulso poderia falar da voz da rainha, sobre como sempre parecia ressoar no quarto mesmo quando ela mantinha os lábios bem juntos um do outro; alguém dotado de bons olhos e pulso firme poderia desenhar a rainha, a baixa estatura, os cabelos cheios, as tintas, as cores. No entanto a rainha, e isso é de autoria própria, sem que ninguém lhe possa distorcer a voz ou os modos, não quer saber de retratos e biografias que não sejam de próprio punho. Às vezes, quase sempre, pra ser rainha, a gente tem que ser sozinha. Se esse fardo e o de ser malvisto, incompreendido, por fim detestado, cabem a todos os seres humanos, o que resta para a rainha regente apontada e coroada? Ela sentou-se muito reta na cama macia e seus olhos se demoraram no espelho do extremo oposto do quarto, o único quebrado. A imagem perfeitamente refletida, a despeito de todas as leis da óptica que impediam essa impressão, lhe devolveu uma expressão de soberania que ela mesma não exibia. Mas entendeu o recado. E sorriu de volta.

sábado, 7 de maio de 2011

Uma rainha que bem podia ter sido publicada aqui

 
template by suckmylolly.com