terça-feira, 2 de novembro de 2010

Where is our Queen? Where is her flag?

 
É decididamente irônico, concluiu a princesa, se soerguendo do carro em chamas, que eu tenha tentado morrer duas vezes e só tenha conseguido quando não fazia mais questão. O asfalto estava quente, ou estaria, se ela estivesse viva e sua pele ainda pudesse absorver qualquer coisa. Ela também teria suspirado se pudesse suspirar. A ironia em vida tem um gosto gelado e seco; é como engolir vidro, se você pudesse engolir vidro. A ironia em morte é parecida, mas tudo na morte vem acompanhado de uma inenarrável e inexplicável paz. É como engolir vidro, mas não parece tão ruim. A princesa equilibrou-se nos pés mortos e examinou a si mesma no chão, as pernas quebradas e retorcidas e cicatrizes novas pelo corpo. Não tardou a sentir novamente os flashes das câmeras. A perseguição em vida tem um gosto adstringente e enjoativo; é como engolir comida estragada, mas precisar engoli-la. A perseguição em morte tem gosto de raiva, mas a princesa de Gales sente tanta raiva, em vida e em morte, que a raiva tem gosto de tédio, de um rolar de olhos impaciente, de preguiça de deparar-se com o próprio rosto em mais jornais e revistas do que sua memória pode registrar. Durante a morte, a princesa não pensou no ex-marido. Charles ocupava seus pensamentos e seu sangue havia tempo demais; mas agora ela sequer podia se surpreender por não conseguir lembrar-se de sua existência. A princesa caminhou etérea sobre o próprio corpo, o corpo do namorado e o do motorista mortos, subiu nos restos do carro e viu-se novamente fotografada, dez cliques por segundo, quinze cliques por segundo, até que seus olhos mortos doessem. Seu corpo foi dilacerado vezes demais; quando viveu com Charles, quando tentou morrer, quando o carro bateu, quando seus ossos todos se partiram, quando as câmeras captaram a luz de sua morte e não conseguiram visualizá-la serena, fantasmagórica, raivosa e entediada sobre a última imagem que o mundo veria dela. A morte não tem gosto, e a Princesa Diana de Gales deixou-se sumir da existência com uma primeira e última satisfação.

5 comentários:

Miss Theory disse...

Olá, Julia! Visito o blog há tanto tempo e nunca deixei um comentário, mereço guilhotina s ou n
seu texto é tão delicado e preciso :)
Beijos!

Bianca Caroline Schweitzer disse...

eu não sabia quem era Diana e nem sei ainda para ser sincera, independente da famosidade dela... eu pensei antes numa câmera analógica...
ainda assim gosto dos textos, apesar que poderia apreciar melhor, né

Jack disse...

O Rainha deveria virar livro. Com muitas fotos e uma capa bonita, pra combinar com os textos.

Adorei o jeito que você escreveu, e acho que nunca comentei aqui, mas adoro esse blog. Postem com mais frequência.

<3

Samuel G. disse...

GENIAL! Tô com a Brenda: continuem sempre atualizando, e publiquem um dia. Sério.

Tai~ disse...

Eu queria ser uma dessas pessoas que sabem falar coisas bonitas pra fazer um comentário bonito sobre esse texto bonito. Mas eu não sou. Só queria dizer que fico relendo o tempo inteiro.


O Rainha deveria virar livro. Com muitas fotos e uma capa bonita, pra combinar com os textos. [2]

 
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