Não é especialmente bonita, o cabelo é da mesma cor da pele, corte pouco ousado que não valoriza as linhas comuns do rosto; nem muito magra, nem gostosa. Não chama atenção. Média. Gosta de vestir tons pastéis e tons de terra. Filha de um sujeito rico, dono de alguma coisa, tem uns irmãos bem mais legais e descolados que ela. Estudou em bons colégios, tirou sempre boas notas. Até o momento não deu mostras de talento. Gosta de História da Arte, sonhou em ser princesa quando criança e tinha fotos do Príncipe William na parede do quarto quando quase adolescente. Dizem que seu romance floresceu em uns momentos a sós na casa de Balmoral, uma agradável locação que Camila conheceu melhor que Diana. (O chão desses pequenos castelos é manchado de sangue e de porra, espero que ela saiba. Essas garotas são esperta, ela deve saber.) O emprego de meio período na empresa do pai não lhe pareceu muito realizador, mas sabemos que nem mesmo uma princesa pode ficar sem trabalhar hoje em dia sem ser criticada. (Todo mundo está vigiando a gente o tempo todo, não importa quantos acordos a gente tente fazer com a impresa. Os olhos deles estão sempre espiando quando a gente passa). Comprou uma câmera fotográfica bem cara, conheceu Mário Testino e acha que é fotógrafa. Bem-vinda, Lady Kate Middleton. Sente, cruze as pernas como uma moça e tente impressionar. Os tapetes onde você perdeu a virgindade parecem ser de bom agouro e tudo mais, mas é bom manter em mente que esse anel de safiras no seu dedo custou uma cabeça de rainha. Uma rainha das grandes. Bem-vinda e muito boa sorte.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Average
Não é especialmente bonita, o cabelo é da mesma cor da pele, corte pouco ousado que não valoriza as linhas comuns do rosto; nem muito magra, nem gostosa. Não chama atenção. Média. Gosta de vestir tons pastéis e tons de terra. Filha de um sujeito rico, dono de alguma coisa, tem uns irmãos bem mais legais e descolados que ela. Estudou em bons colégios, tirou sempre boas notas. Até o momento não deu mostras de talento. Gosta de História da Arte, sonhou em ser princesa quando criança e tinha fotos do Príncipe William na parede do quarto quando quase adolescente. Dizem que seu romance floresceu em uns momentos a sós na casa de Balmoral, uma agradável locação que Camila conheceu melhor que Diana. (O chão desses pequenos castelos é manchado de sangue e de porra, espero que ela saiba. Essas garotas são esperta, ela deve saber.) O emprego de meio período na empresa do pai não lhe pareceu muito realizador, mas sabemos que nem mesmo uma princesa pode ficar sem trabalhar hoje em dia sem ser criticada. (Todo mundo está vigiando a gente o tempo todo, não importa quantos acordos a gente tente fazer com a impresa. Os olhos deles estão sempre espiando quando a gente passa). Comprou uma câmera fotográfica bem cara, conheceu Mário Testino e acha que é fotógrafa. Bem-vinda, Lady Kate Middleton. Sente, cruze as pernas como uma moça e tente impressionar. Os tapetes onde você perdeu a virgindade parecem ser de bom agouro e tudo mais, mas é bom manter em mente que esse anel de safiras no seu dedo custou uma cabeça de rainha. Uma rainha das grandes. Bem-vinda e muito boa sorte.
Postado por Mayra às 19:50 10 comentários
Marcadores: Inglaterra
terça-feira, 2 de novembro de 2010
Where is our Queen? Where is her flag?
É decididamente irônico, concluiu a princesa, se soerguendo do carro em chamas, que eu tenha tentado morrer duas vezes e só tenha conseguido quando não fazia mais questão. O asfalto estava quente, ou estaria, se ela estivesse viva e sua pele ainda pudesse absorver qualquer coisa. Ela também teria suspirado se pudesse suspirar. A ironia em vida tem um gosto gelado e seco; é como engolir vidro, se você pudesse engolir vidro. A ironia em morte é parecida, mas tudo na morte vem acompanhado de uma inenarrável e inexplicável paz. É como engolir vidro, mas não parece tão ruim. A princesa equilibrou-se nos pés mortos e examinou a si mesma no chão, as pernas quebradas e retorcidas e cicatrizes novas pelo corpo. Não tardou a sentir novamente os flashes das câmeras. A perseguição em vida tem um gosto adstringente e enjoativo; é como engolir comida estragada, mas precisar engoli-la. A perseguição em morte tem gosto de raiva, mas a princesa de Gales sente tanta raiva, em vida e em morte, que a raiva tem gosto de tédio, de um rolar de olhos impaciente, de preguiça de deparar-se com o próprio rosto em mais jornais e revistas do que sua memória pode registrar. Durante a morte, a princesa não pensou no ex-marido. Charles ocupava seus pensamentos e seu sangue havia tempo demais; mas agora ela sequer podia se surpreender por não conseguir lembrar-se de sua existência. A princesa caminhou etérea sobre o próprio corpo, o corpo do namorado e o do motorista mortos, subiu nos restos do carro e viu-se novamente fotografada, dez cliques por segundo, quinze cliques por segundo, até que seus olhos mortos doessem. Seu corpo foi dilacerado vezes demais; quando viveu com Charles, quando tentou morrer, quando o carro bateu, quando seus ossos todos se partiram, quando as câmeras captaram a luz de sua morte e não conseguiram visualizá-la serena, fantasmagórica, raivosa e entediada sobre a última imagem que o mundo veria dela. A morte não tem gosto, e a Princesa Diana de Gales deixou-se sumir da existência com uma primeira e última satisfação.
Postado por Julia às 00:19 5 comentários
Marcadores: Inglaterra
quarta-feira, 6 de outubro de 2010
quinta-feira, 23 de setembro de 2010
The King's Beloved Sister
Anna de Cleves, a Amada Irmã do Rei
Postado por Julia às 15:35 2 comentários
Marcadores: Inglaterra
terça-feira, 21 de setembro de 2010
Antropofagia
Postado por Mayra às 19:15 5 comentários
Marcadores: Sedna
domingo, 1 de agosto de 2010
O paradoxo da Rainha de Copas
The Queen had only one way of settling all difficulties, great or small. 'Off with his head!' she said, without even looking round.
A Rainha de Copas, a despeito de seu status de rainha consorte, era ouvida pelo Rei em todas as suas idéias e objeções e mil maneiras de agradar o reino e seus súditos. A Rainha de Copas era uma boa rainha, melhor até regente do que consorte, mas satisfeita com seu status de consorte, humilde e sem ambições, a rainha que qualquer rei sonharia em ter e calhou de ser do Rei de Copas, que por sua vez não fazia muita questão de obediência, humildade e todo o resto. Isso tudo até a chegada do valete, valete também de Copas, mas sem a letra maiúscula da Rainha e do Rei; uma carta menor do baralho, ainda que permanecesse uma carta e fosse de Copas. A Rainha e o Rei de Copas não podiam ter filhos e por isso chegou o valete, um primo distante, eles não sabiam ao certo; o Rei e a Rainha de Copas tinham muito bom coração e não duvidaram do valete, que aliás não devia mesmo ter sido duvidado. O valete era um bom valete, posto que o valete é uma carta alta do baralho e serve bem a todos os jogos, exceto talvez os de truco e os de ler a sorte. Como no poeminha tão pouco conhecido, chegou o valete de Copas roubar a Rainha de Copas; ela perdeu sua humildade, seu espírito sem ambições e teria perdido o status de rainha consorte se o valete não a tivesse impedido. O valete não queria se casar com a Rainha de Copas; mal queria o trono que seria seu quer quisesse, quer negasse. O valete só queria suas festas e suas moças e seus moços e seus banquetes, e a Rainha de Copas queria o valete e o valete e o valete e o valete e o Rei de Copas, desgostoso e traído, nada disse, pois era muito mais moderado, comedido do que a Rainha de Copas; pelo menos, era mais moderado, comedido do que a Rainha de Copas quando a Rainha de Copas estava apaixonada, coisa que estava agora, e nunca estaria pelo Rei. O Rei de Copas procurou uma solução que satisfizesse a todos, mas a Rainha de Copas, que nunca deixara de ser bondosa, mesmo agora que não era humilde e angariava algumas ambições, queria uma solução que compensasse sua dor. Bem, julgou o Rei de Copas, ao ouvir as argumentações sempre sensatas da Rainha, é justo fazer perder a cabeça a quem fez perder o coração. Cortem a cabeça dele! As coisas são engraçadas.
Postado por Julia às 02:19 3 comentários
Marcadores: origem indefinida
sexta-feira, 21 de maio de 2010
As cinzas do Elba
Munique não se estende em planícies e imagens poéticas. A capital da Bavária se parece com qualquer outra grande cidade do mundo: prédios altos e cinzas, chão duro e cinza, pessoas duras e cinzas. É o lugar perfeito para se conhecer um grande amor — ou, pelo menos, foi a história dela. Um senhor mais velho e baixinho muito interessado na moça de dezessete anos, estagiária do estúdio de fotografia.
Algumas coisas apenas as câmeras podem captar. É um modo como a luz entra e é apreendida, e qualquer coisa pode afetá-la ou transformá-la; é uma união de foco e luz, e as cores só existem por causa da luz, por como ela atravessa, sua reflexão e refração.
Em Munique, no outono amarelado e cinza de 1929, a moça de dezessete anos, estagiária do estúdio de fotografia, tirou uma foto do senhor mais velho e baixinho que estava muito interessado nela. Ele não a estava olhando. Ria afetado com o dono da loja, uma das mãos no bolso do terno marrom, velho mas em bom estado, bem alinhado, feito sob medida. A moça de dezessete anos, estagiária do estúdio de fotografia, captou um senhor mais velho e baixinho que de todo não se parecia muito com aquele senhor, real, mais velho e baixinho. A sua foto em preto e branco mostrava-o mais altivo, mais decidido, até mesmo mais alegre do que ele parecia ao rir de verdade.
Em Munique, a parte mais movimentada, barulhenta e diversa de toda a Bavária, que é por si só a parte mais movimentada, barulhenta e diversa de toda a Alemanha, as moças de dezessete anos, estagiários do estúdio de fotografia, são impressionáveis até mesmo com fotografias em preto e branco. Elas às vezes tentam se matar. Elas às vezes tentam se matar duas vezes. A estagiária em questão deu sorte; o senhor baixinho da fotografia virou-se para ela e sorriu. E tornou a sorrir no ano seguinte. E sorriu quando ela se recuperou do primeiro quase-suicídio. E chorou quando ela se recuperou do segundo.
Os hábitos morrem devagar, e o da fotografia morreu com a estagiária, que nem era mais estagiária nem mais tinha dezessete anos. Ela continuou surpreendendo o senhor baixinho com lentes. E se mudou de Munique, onde tanto fazia ser outono ou primavera.
Em Berlim era sempre primavera. Mesmo quando estava nevando, sempre havia flores em Berlim. É a impressão que você teria ao ver as fotos da moça: ela também surpreendia as poucas flores que nasceram durante a guerra. Ela também surpreendia os espelhos e os amigos do senhor baixinho e mais velho. Muitos anos depois de sua morte, ainda era lembrada como uma moça muito bonita, muito delicada, muito bem arrumada. Não havia muito o que falar de ruim dela. É por isso que não falaremos.
O senhor baixinho e mais velho muito tinha a dizer sobre muitas coisas, mas pouco dizia sobre ela. Ele gostava de ouvi-la falar; era a única pessoa em toda a Alemanha que podia falar mais do que ele. Ela não gostava disso. Ela não gostava de nada. Ela gostava de suas fotos, de suas flores, de suas roupas, de suas revistas. Ela não gostava de Munique. Não gostava da Bavária. Gostava um pouco de Berlim; gostava um pouco da Alemanha; gostava um pouco do senhor baixinho e mais velho. Estava sempre incerta quanto a si mesma. Gostava do vestido preto que usou no próprio casamento.
O mais notável e curioso que se pode dizer sobre essa moça é que ela cortou a própria cabeça antes que se atrevessem a querê-la decapitada.
Eva Braun foi a última rainha da Alemanha.
Postado por Julia às 23:01 7 comentários
Marcadores: Alemanha
quarta-feira, 21 de abril de 2010
Gotas de sangue
Às vezes eu sinto falta da minha cabeça. Acho que as outras também sentem. Mas é que elas estão mortas mesmo e tudo o que dizem não passa de uma ilusão patética. Eu estou bem viva. E sem cabeça. E com sede, como vocês já sabem. Ah, eu suspiro. Eu sinto falta do meu crânio delicado, meu nariz fino, meus lábios cor-de-rosa. Eu sinto falta principalmente do sentido do olfato. Meu nariz era muito bonito. Às vezes me ocorre o que devem ter feito com minha cabeça. Será que enterraram? Queimaram? Sei que mantiveram minha coroa. Eu sinto falta dela. Sinto falta do cheiro, do brilho... eu não sinto falta de estar viva, o que é curioso. Só sinto falta das coisas que faziam estar viva - e ser Rainha, deus sabe que ser rainha é difícil - valer a pena...
Se a guilhotina doeu? Deixar a Áustria naquela fronteira fria e azeda foi muito pior. A França não é acolhedora. Não a princípio. Não quando se é tão moça... Paris, sim; mas a França, o resto, aquela paisagem agreste e fúnebre, vazia. Eu fiquei aterrorizada. A minha casa tão alegre, com aquele sotaque tão nosso, com o calor dos meus compatriotas e irmãos; e me encontrei numa terra onde a rainha era vestida pelas servas e onde vi poucos sorrisos ao longo de todos os anos. Eu morri cedo, mal tinha saído da adolescência; e quando cheguei lá era uma criancinha perdida. Não é por menos que fiz tantas festas! Eu tinha tanto medo, ah, minhas queridas, meus queridos, mesmo quando ganhei uma terra só minha foi naquela terra áspera e fria da França. Eu teria sido uma rainha melhor para o povo se me instalasse em Paris e nas suas luzes coloridas.
Postado por Julia às 16:55 7 comentários
Marcadores: França
quinta-feira, 8 de abril de 2010
L'amour
Postado por Julia às 21:13 5 comentários
Marcadores: Sedna
segunda-feira, 5 de abril de 2010
Cinco de Novembro ou Bizarre Love Triangle
I see no reason
Why the Gunpowder Treason
Should ever be forgot
Postado por Julia às 19:36 9 comentários
Marcadores: Inglaterra
domingo, 4 de abril de 2010
Um homem sempre perdoa os pecados de outro homem. Mas os pecados de uma mulher... Bem, pense em Eva e o assunto se encerra. Não me importa. Eu penso nos homens que me condenaram: Danton, Robespierre, Marat, Guillotin. Homens de boas intenções. Monsieur Guillotin pensava num modo rápido e indolor de cumprir com a justiça, havia genuína bondade nesse intento e genuína tolice. Os outros três, imagino que tudo que desejavam construir era um mundo onde a fome do povo não alimentasse os diamantes no pescoço de uma rainha decorativa. Homens de boas intenções, cujos assassínios, incoerências, traições e erros não apenas foram perdoados, como foram amigavelmente esquecidos pelos livros de História - obviamente escritos por outros homens, cuja natureza das vontades ou intenções eu desconheço e não despertam meu interesse. Meus devotados homens de boas intenções entraram para a História desse mundo como visionários revolucionários e se agradece a eles pelas infinitas possibilidades que sua revolta popularesca proporcionou ao mundo dos homens. Quando se pode matar a monarquia, o céu é o maldito limite. E entrando para os livros, eles grantiram neles o meu lugar. A morte do rei e da rainha da França, ligeiramente vergonhosas e coisa de que não se deve falar muito nos corredores da Sorbonne, dano colateral da maior, melhor e mais eficiente revolução que o mundo conheceu. Eu, educada na religão católica apostólica romana dos meus pais e dos pais deles, penso nos meus pecados. Pecados nunca esquecidos, nunca perdoados. A rainha dos diamantes, a rainha das festas, a rainha cercada de gente jovem e alegre, a rainha do 'comam brioches'. Pecados de cultura pop, pecados de cinema. Os homens de boas intenções que nunca colocaram nos autos do meu julgamento que a arquiduquesinha da Áustria, apertada nos seus espartilhos, ansiosa por um bom banho e cansada de uma longa viagem, nunca teve uma escolha. Nunca conheceu outra vida. Nunca soube mais do que latim e jardinagem e que aos pobres se deve amar, sorrir, estender as mãos alvas e dar algum pão. Uma rainha deve ser esposa e mãe, foi como me ensinaram e como eu aprendi, a despeito de gostar um bocado de festas. Paris é uma festa! Louis não fazia tipo festivo, mas não se importava que eu fosse jovem e alegre enquanto era tempo de ser jovem e alegre. Tive tão pouco tempo! Obrigada, Louis! Eu amei meu tímido Louis e Louis me amou, porque foi assim que nos ensinaram. Era fácil amar Louis, tímido e servil, talvez um pouco tolo, amante de corridas de cavalos e banquetes suntuosos, criado solitário entre amantes do rei, efeminados e homens de armas, imensamente sedento de amor e atenção. Penso que deva ter sido difícil para ele amar uma arquiduquesa de raízes bárbaras, arredia, a pele ainda ruim de adolescente, um tanto mais alta, vaidosa, voluntariosa, amiga de militares, damas de fama duvidosa, frequentadora de óperas e festas até o amanhecer. Obrigada, Louis, meu pobre rei descoroado e decapitado, obrigada! O rei da França foi perdoado pelo tempo. Teria sido completamente esquecido, se não tivesse sua imagem constantemente associada à minha e eu lhe peço perdão por isso. É estranho pedir perdão por ter sido boa no papel que nasci para desempenhar: Rainha. Fui uma boa rainha numa época em que rainhas estavam fora de moda. Posto isso, teria sido justo ter entrado para seus livros como uma rainha corajosa. Uma rainha fora de época, a rainha que fecharia para sempre a porta das rainhas de sonho, doces confeitados e brioches. Eu fui corajosa. A última e corajosa rainha-consorte de contos de fada numa época de homens, máquinas de fumaça e vapor e revoluções armadas. Meus amados homens de boa vontade e armas. Eu os recebo no círculo do Inferno reservado aos de boa vontade, eles me olham com surpresa, eu beijo suas testas, eles se curvam aos meus pés. Se não havia espaço no mundo para tanta boa vontade, pois haverá no inferno dos que foram emboscados, traídos, decepados. Eles concordam e me reverenciam com suas cabeças deslocadas do corpo. Eu os convido ao meu Petit Trianon. Eles se sentam ao meu redor, pernas cruzadas como meninos e perguntam curiosos sobre Louis. Nunca mais, meus senhores, nunca mais. Talvez lhe faltasse a vontade inflamada que em nós sobra e vaza pelas artérias expostas de nossos pescoços. Deve haver um outro inferno para os reis doces e passívos. Eles concordam. Casualmente, enquanto comem, confessam outros tempos que teriam me amado e me seguido com máquinas que disparam luzes. Sim, eu lhes digo sem uma ponta de amargura, hoje, época farta de brioches e revoluções, eu teria sido amada, tão amada, com tanta devoção e intensidade, que talvez essa necessidade de mim terminaria por me encurralar entre os ferros retorcidos de uma carruagem e o muro de um túnel, a cabeça esmagada, longe do meu rei, perto de traidores e carrascos, as luzes piscando para mim, na noite bela Paris. Paris, Paris, Paris, que é sempre uma festa!
Maria Antonieta da Áustria e da Lorena, trinta e oito anos, viúva do rei da França.
Postado por Mayra às 18:36 5 comentários
Marcadores: França
sábado, 3 de abril de 2010
América, Europa e um continente à escolha
O problema dos historiadores, pensa o fantasma da Princesa do Brasil, é que eles gostam exatamente daquilo que eu mais desprezo: o pó! Eu não queria nem sequer o pó daquela terra e aquela terra está cheia de gente querendo o meu pó. Carlota rendeu mesmo muito pó quando morreu; quis ser enterrada com uma coleção de sapatos, fato que a família ocultou por benevolência, e porque já tinham laços com loucos o suficiente; Maria de Bragança e Portugal era, afinal, a sogra de Carlota Joaquina. Que não queria nem o pó do Brasil, nem o de Portugal: menos ainda da França, e tinha Bourbon por duas vezes no sangue! Os historiadores, que são aliás uns fofoqueiros, uns podres, só queriam saber do pó de Carlota, deixem meu pó em paz! Não escavem minha sepultura. Era um tédio ser princesa do Brasil porque o Brasil não era propício para princesas. Era terra de gente gentia, suja, reclamona. Uns infelizes que só queriam saber de problemas sociais. Ninguém queria falar em casamento e tecidos novos. Menos ainda de sapatos. Não que eu fosse fútil assim. Carlota não era fútil, entendia muito dos problemas dos escravos e das infelicidades dos pobres, mas também me achava pobre! Pobre de espírito, veja que Carlota Joaquina, por ser mulher, não tinha voz na corte nem em lugar algum. Ela era um enfeite e se eu não me acostumasse a ser um enfeite o que seria da minha vida? Mas fui muito rebelde; Carlota sem dúvida deu muito trabalho, preocupou muitas cabeças, e mesmo assim saiu com a dela bem coladinha ao pescoço. Se não fosse um enfeite talvez pudesse ver aquela história dos pretos, porque eram mesmo muito tristes aqueles pobres pretos. Carlota Joaquina era uma das poucas soberanas que não eram racistas; mas, pensando bem, eu nem sequer era uma soberana. Princesa do Brasil. Bem certo que fui Rainha de Portugal um pouco, por pouco tempo, e fiz poucas coisas, umas traições, uns trâmites, causei lá alguns problemas; mas Portugal tem o tamanho do meu sapato e a sola do meu pé mede vinte e três centímetros, aliás media, porque Carlota está morta. E o Brasil muito devia a ela, muito devia a mim, porque veja, o Brasil era imenso, ainda é, está maior agora porque tem mais terra, e toda aquela terra devia ter ficado sob o meu comando e teríamos feito maravilhas, mas não me deixaram! Não podia mandar neles e não podia desmandar; no primeiro eu seria fútil, no segundo ela seria insuficiente. Se eu bebia muito era feio, e se não fazia nada eu não era nada também. E eu não podia ser nada, mesmo que o Brasil me tenha negado. Pois eu nego o Brasil também! Desta terra continuo não querendo nem o pó. Nesta terra quero que tudo se exploda e vire tão pó quanto eu! Brasil, Portugal, Espanha, França, todos os lugares que me negaram. Neguem Carlota Joaquina na morte! Eu espero só que a guerra destrua cada centímetro desse amontoado de lixo até ficar do tamanho da sola do meu pé e eu possa pisar nas gerações de reis e rainhas e príncipes e princesas que não me deixaram fazer nada.
Postado por Julia às 15:30 2 comentários
domingo, 28 de março de 2010
A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 3
She's a Killer Queen
Gunpowder, gelatine,
Dynamite with a laser beam
O reinado de Arthur durou trinta anos e depois ele foi dado como desaparecido. Foi pranteado e ganhou um enterro simbólico, com os melhores bardos da Inglaterra e violinos Stradivarius. A música que lhe foi dedicada fora decidida pela rainha, que não tinha qualquer noção de instrumentos ou notas, mas dera ao maestro uma idéia e supervisionara os arranjos. A rainha não derramou uma lágrima e o povo viu - mas o povo ficou ao seu lado. Guinevere desinteressante, Guinevere sem graça, Guinevere pudica. O povo adorava. O povo se enxergava nela. A perdedora que virou uma rainha só por causa de cavalos. Essa era a parte preferida dos contadores da história, porque até aquele momento todos já conheciam, bastava ter um avô vivo para saber. É que a lavadeira da rainha esfregou os lençóis mais vermelhos que o país já havia visto. E Guinevere não tentara esconder o machado. Ninguém sabia de onde ela tirara o machado. Talvez do jardim; talvez tivesse um caso com o jardineiro! Talvez tivesse pedido a Lancelote! Mas Lancelote chorava tanto pela morte do rei e definhara logo em seguida... a verdade que as histórias tentavam sondar era muito simples. Um dia Guinevere achou que já tinha esperado demais. Transformara-se numa violenta supernova. Sua força era tão grande e assassina que a galáxia seria reduzida a pó. Arthur fora dormir jurando à esposa que a Bretanha agora estava em paz e não acordara porque não se pode acordar sem uma cabeça colada ao corpo. O machado era muito pesado para as mãos delicadas e sem calos de Guinevere. A coroa era muito dourada para a cor apagada dos cabelos de Guinevere. Ela era tão doce e insignificante que sequer foi acusada de matar o marido. Afinal, Guinevere o amava. Talvez não como amava Lancelote, porque amar Lancelote era amar a vaidade e a vaidade era ela mesma, e acima de tudo Guinevere amava a si mesma, até que Lancelote definhou pela morte do rei e ela mandou enterrar o corpo de Lancelote no sul da Inglaterra, onde o verão durava seis meses, a milhas e milhas do corpo do rei. Mas Guinevere também amava Arthur e sua gentileza, Arthur e seu amor, Arthur e sua ingenuidade. E a coroa de Arthur. Com o corpo, a espada e a cabeça desaparecidos em alguma vala da Escócia, onde Guinevere seria enterrada dali a quinze anos, a cerimônia em memória do rei mais querido e controverso da Inglaterra - até aquele momento, é claro - terminou com a rainha subindo ao trono vazio e recolhendo a coroa. A coroa dourada, pesada, encrustada, arranhada, ferida, com sangue. A coroa de rei da Rainha. Guinevere ergueu-a aos céus e a trouxe devagar para a própria cabeça, com as próprias mãos, os próprios arranhões, feridas, sangue, a coroa que ela merecera por cada segundo de trinta anos, não pelos cavalos, mas pela força sideral que carregava, mais pesada do que a coroa, mais dourada do que a coroa. Todos a olharam. Guinevere era agora a jóia mais brilhante de todo o mundo. Ninguém questionou a Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha.
Postado por Julia às 14:30 4 comentários
Marcadores: Inglaterra
sábado, 27 de março de 2010
A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 2
You had to choose a side at love and divide yourself in two
The way you were, long before you were walking civil war
Postado por Julia às 18:30 3 comentários
Marcadores: Inglaterra
sexta-feira, 26 de março de 2010
A Rainha do País do Verão e de Toda a Bretanha, pt. 1
An engine, an engine
Chuffing me off like a Jew
A Jew to Dachau, Auschwitz, Belsen
I began to talk like a Jew
I think I may well be a Jew
Postado por Julia às 18:42 2 comentários
Marcadores: Inglaterra
quinta-feira, 25 de março de 2010
Rapunzel
Eu encontrei uma dama nos campos,
Tão linda... uma jovem fada,
Seu cabelo era longo e seus passos tão leves,
E selvagens eram seus olhos.
Sentada nessa cama. Nessa cama enorme. Um exagero de cama. Trancada nesse quarto, no alto dessa torre. Uma torre muito alta. Um espelho muito grande. Tão grande que é difícil circular pelo quarto sem dar de cara com ele e ele sou sempre eu mesma. Eu olho no espelho, eu me vejo lá mais uma vez. Eu não existo de verdade, eu não existo de verdade, eu não existo de verdade. Eu sou uma fábula. Uma história que se conta para ensinar as meninas o quão valorosa é a sua virgindade. Então, o que eu olho no espelho e vejo, não existe de verdade. Eu nem sei o que estou fazendo aqui, posto que não sou rainha. Ah sim. É porque serei, certo que é esse o destino das princesas. Nunca me disseram objetivamente que sou uma princesa. Ouvi dizer que sou filha de um lavrador qualquer. Mas torre, cabelão, espartilho, espera, tédio. Só posso ser uma princesa! Sou tão princesa quanto as outras e serei tão rainha quanto qualquer outra. Serei, tão logo ele chegue e peça pelas minhas tranças. Got it? Pedir as tranças. E eu jogarei as minhas tranças longuíssimas, nunca cortadas, totalmente imaculadas para que ele suba ao meu quarto. Hã-hã? Pois é. Óbvio assim. Eu, sentada nessa cama, trancada nesse quarto, no alto dessa torre, filha de um camponês e um rabanete, sem ser princesa nem ser nada, esperando alguém escalar minhas tranças virgens. Pelo amor de Deus. Me jogar do alto da torre é uma idéia recorrente, se eu não desconfiasse que meu cabelo enroscaria em alguma planta, me deixando viva, ensanguentada e meio careca. É no meio desse pensamento gore que o sujeito finalmente aparece. Alguma coisa no conto diz que eu estaria cantando lindamente e ele viria seguindo o som da minha voz. Não exatamente. Se qualquer transeunte dos arredores da torre me ouvisse cantar, compreenderia porque Frau Gothel me trancou aqui em cima. O príncipe veio foi atrás do meu som alto. A gente ouve um bocado de Black Metal quando está entediada, deprimida e precisa esfregar os azulejos do banheiro. Ele ouviu e, cabeludinho jogador de RPG e fã de metal que deve ser, veio atrás achando que poderia ser, talvez ,uma baladinha open bar. Ele chega. Pede as tranças. Eu já sei o que devo fazer. Todo mundo nasce sabendo. Olho pela janela. Ele tem um cavalo, não é branco, mas é um animal de porte respeitável. Dizem que as mulheres estão sempre interessadas nesse tipo de coisa, não? Eu jogo a trança. Ele sobe pela trança e, através da trança, chega aos meus aposentos para a nobre missão de me resgatar. Não sem antes receber sua nobre recompensa, evidentemente. Porque não basta subir pelos cabelos virgens de uma moça encarcerada numa torre: você tem que foder com ela também. Quem falou que o mundo é justo? Uma garota faz o que tem que fazer. Não tem muita graça enquanto ele está me libertando. Imagino que ele seja inexperiente ou esteja exausto da escalada capilar. Estou olhando para o espelho o tempo todo. Terminadas as formalidades, o rapaz reclama de sede, eu penso que ele deve estar mesmo exausto da escalada. Ofegante e ainda deslumbrando da virgindade perdidada e da roubada, ele bebe a taça de vinho um gole só. Não era uma taça pequena. Exausto e sem costume de beber, o pobrezinho dormiu depressa, sem ter nem tempo de vestir as ceroulas. Definitivamente terminadas as formalidades, eu abro a porta. Obviamente meu quarto tem porta, uma porta de madeira pesada e nobre. Uma bela porta. Destrancada. Bem como essa torre aqui também tem uma escada e uma outra porta lá embaixo. É estúpido pensar que não e que eu estaria trancada aqui. É uma idéia bem estúpida. Não sei da onde tiram essas idéias. Pois bem, eu abro a porta e me vejo mergulhada em liberdade. O cavalo está lá, esperando por ordens. Percebo que o príncipe deixou sua coroa pendurada no pito da sela, como se aquilo fosse uma moto e ele tivesse parado num posto de gasolina para comprar uma cerveja. Que tipo de idiota faria isso? Coloco a coroa e me torno uma rainha conquistadora. Uma rainha de golpe de estado, de ocupação pacífica, de guerra fria. Uma verdadeira rainha, por direito coroada. Monto no cavalo de pernas abertas, como um homem, e cavalgo em direção ao destino das rainhas. Quanto tempo agora? Quanto tempo até eu perder minha cabeça?
Postado por Mayra às 13:08 6 comentários
Marcadores: origem indefinida
quarta-feira, 24 de março de 2010
It was a murder, but not a crime
Postado por Julia às 17:02 2 comentários
Marcadores: França
terça-feira, 23 de março de 2010
Romanova
Postado por Julia às 17:08 8 comentários
Marcadores: Rússia
domingo, 21 de março de 2010
Vida Seca
Postado por Julia às 14:50 9 comentários
Marcadores: origem indefinida
sábado, 20 de março de 2010
A Farsa de Inês de Castro
Postado por Julia às 12:36 4 comentários
Marcadores: Portugal
sexta-feira, 19 de março de 2010
Francisca
Postado por Mayra às 13:16 8 comentários
quinta-feira, 18 de março de 2010
Confecção de Coroas
Postado por Julia às 00:02 8 comentários
Marcadores: origem indefinida
quarta-feira, 17 de março de 2010
Palácio da Justiça
Postado por Julia às 00:06 3 comentários
Marcadores: Inglaterra