quinta-feira, 25 de março de 2010

Rapunzel

Eu encontrei uma dama nos campos,
Tão linda... uma jovem fada,
Seu cabelo era longo e seus passos tão leves,
E selvagens eram seus olhos.



Sentada nessa cama. Nessa cama enorme. Um exagero de cama. Trancada nesse quarto, no alto dessa torre. Uma torre muito alta. Um espelho muito grande. Tão grande que é difícil circular pelo quarto sem dar de cara com ele e ele sou sempre eu mesma. Eu olho no espelho, eu me vejo lá mais uma vez. Eu não existo de verdade, eu não existo de verdade, eu não existo de verdade. Eu sou uma fábula. Uma história que se conta para ensinar as meninas o quão valorosa é a sua virgindade. Então, o que eu olho no espelho e vejo, não existe de verdade. Eu nem sei o que estou fazendo aqui, posto que não sou rainha. Ah sim. É porque serei, certo que é esse o destino das princesas. Nunca me disseram objetivamente que sou uma princesa. Ouvi dizer que sou filha de um lavrador qualquer. Mas torre, cabelão, espartilho, espera, tédio. Só posso ser uma princesa! Sou tão princesa quanto as outras e serei tão rainha quanto qualquer outra. Serei, tão logo ele chegue e peça pelas minhas tranças. Got it? Pedir as tranças. E eu jogarei as minhas tranças longuíssimas, nunca cortadas, totalmente imaculadas para que ele suba ao meu quarto. Hã-hã? Pois é. Óbvio assim. Eu, sentada nessa cama, trancada nesse quarto, no alto dessa torre, filha de um camponês e um rabanete, sem ser princesa nem ser nada, esperando alguém escalar minhas tranças virgens. Pelo amor de Deus. Me jogar do alto da torre é uma idéia recorrente, se eu não desconfiasse que meu cabelo enroscaria em alguma planta, me deixando viva, ensanguentada e meio careca. É no meio desse pensamento gore que o sujeito finalmente aparece. Alguma coisa no conto diz que eu estaria cantando lindamente e ele viria seguindo o som da minha voz. Não exatamente. Se qualquer transeunte dos arredores da torre me ouvisse cantar, compreenderia porque Frau Gothel me trancou aqui em cima. O príncipe veio foi atrás do meu som alto. A gente ouve um bocado de Black Metal quando está entediada, deprimida e precisa esfregar os azulejos do banheiro. Ele ouviu e, cabeludinho jogador de RPG e fã de metal que deve ser, veio atrás achando que poderia ser, talvez ,uma baladinha open bar. Ele chega. Pede as tranças. Eu já sei o que devo fazer. Todo mundo nasce sabendo. Olho pela janela. Ele tem um cavalo, não é branco, mas é um animal de porte respeitável. Dizem que as mulheres estão sempre interessadas nesse tipo de coisa, não? Eu jogo a trança. Ele sobe pela trança e, através da trança, chega aos meus aposentos para a nobre missão de me resgatar. Não sem antes receber sua nobre recompensa, evidentemente. Porque não basta subir pelos cabelos virgens de uma moça encarcerada numa torre: você tem que foder com ela também. Quem falou que o mundo é justo? Uma garota faz o que tem que fazer. Não tem muita graça enquanto ele está me libertando. Imagino que ele seja inexperiente ou esteja exausto da escalada capilar. Estou olhando para o espelho o tempo todo. Terminadas as formalidades, o rapaz reclama de sede, eu penso que ele deve estar mesmo exausto da escalada. Ofegante e ainda deslumbrando da virgindade perdidada e da roubada, ele bebe a taça de vinho um gole só. Não era uma taça pequena. Exausto e sem costume de beber, o pobrezinho dormiu depressa, sem ter nem tempo de vestir as ceroulas. Definitivamente terminadas as formalidades, eu abro a porta. Obviamente meu quarto tem porta, uma porta de madeira pesada e nobre. Uma bela porta. Destrancada. Bem como essa torre aqui também tem uma escada e uma outra porta lá embaixo. É estúpido pensar que não e que eu estaria trancada aqui. É uma idéia bem estúpida. Não sei da onde tiram essas idéias. Pois bem, eu abro a porta e me vejo mergulhada em liberdade. O cavalo está lá, esperando por ordens. Percebo que o príncipe deixou sua coroa pendurada no pito da sela, como se aquilo fosse uma moto e ele tivesse parado num posto de gasolina para comprar uma cerveja. Que tipo de idiota faria isso? Coloco a coroa e me torno uma rainha conquistadora. Uma rainha de golpe de estado, de ocupação pacífica, de guerra fria. Uma verdadeira rainha, por direito coroada. Monto no cavalo de pernas abertas, como um homem, e cavalgo em direção ao destino das rainhas. Quanto tempo agora? Quanto tempo até eu perder minha cabeça?


6 comentários:

Anônimo disse...

sabe, eu gostei.acho que é só...

Julia disse...

hahahahaha ♥♥♥

As nossas rainhas são mesmo muito subestimadas.

bruna disse...

ahhaha fuckin brilliant, e nada mais.

Polly disse...

Rainha que é rainha saí e conquista o mundo. Rapunzel que é rainha de verdade!

Tangerina disse...

Rapunzel dignidade 1000, falei. Ficou brilhante, mesmo, haha. Só você mesmo, May. Ficou muito foda, daquele jeito único que só tu consegue, haha. Adorei.

Maria Luísa disse...

Genial. Não há outra maneira de descrever.

 
template by suckmylolly.com