sábado, 20 de março de 2010

A Farsa de Inês de Castro

Ah, Inês! Que infeliz o seu destino. Inês foi de todas as rainhas da história a mais amada. Sem dúvida. E nem mesmo foi uma rainha. Essa é a infelicidade de Inês. A não-majestade. Ter sido brutalmente assassinada não foi o maior dos seus infortúnios. Veja, o mundo inteiro é composto inteiramente por gente infeliz. A gente é tão infeliz que isso se torna o padrão. O normal. E Inês ter sofrido uma injustiça e dessangrado não é muito diferente do que se vê por aí. Não a torna mais especial do que as outras. Mas Inês, ah, Inês! Inês deveria ter sido rainha, era bela, era culta, era nobre, tinha o amor do príncipe. Um amor desses que a gente lê muitos livros sobre, todos muito ruins, e inveja quando vê, e diz que não é de verdade, mas à noite chora só ao pensar. Inês fez com que o homem desafiasse pai e mãe e mandasse arrancar corações enquanto ceava. Inês teve seus filhos legitimados. Inês levantou a ira do rei e causou uma guerra. Inês de Castro até se tornou lenda e expressão popular! É muito para uma rainha, é o tipo de coisa que as torna inesquecíveis. E Inês não era uma rainha. É a triste ironia da vida. Inês tinha os olhos ligeiros e os dedos muito compridos; se na época fosse costume manter as unhas pintadas ela as pintaria de vermelho e rir-se-ia ao ser chamada de puta. Não que não tenha sido por não ter as unhas vermelhas. Inês de Castro ganhou alcunha de rainha: Inês a Puta. Inês de Castro gostava de dançar e preferia a Espanha a Portugal. Confidenciou a Pedro que o amor que sentia por ele era mesmo muito grande, para se sujeitar a reinar em Portugal. Portugal era suja e Inês era limpa. Portugal era pequena e Inês era grande. Portugal se sujeitava a infortúnios, Portugal não tinha glória, e o que reservava em comum com Portugal era o que mais doía a Inês a Puta. Só conhecendo Inês para perceber que os olhos cor-de-mel e o cabelo preto escondiam a expressão de desprezo que lhe escapava da boca quando chamavam seu amor de futuro rei. Ah, Inês. É impossível não admirar a sua sorte, e desejá-la aos nossos inimigos. Ganhar o maior amor do mundo e ter o pescoço cortado como o de um porco muito gordo. Só sentar ao trono em forma de cadáver e a sua decomposição emagrecer todos os habitantes do palácio, pois não se podia comer com o fedor de sangue derramado e de amor apodrecido. No fim você conseguiu o que queria, Rainha Inês de Castro e Portugal: não governou a sua pátria detestada, não governou a si mesma. Mas, ah!, agora de nada importa, pois Inês já é morta.



4 comentários:

Letícia Dias disse...

Um dos meus textos favoritos do blog até agora ♥
Adorei o uso da expressão popular! A pobre da Inês realmente caiu na língua do povo...

Mayra disse...

Esse pezinho parece o seu. COMENTÁRIO LITERÁRIO FAIL

Sabrine disse...

Fiquei toda arrepiada.

Tangerina disse...

Fiquei toda arrepiada. [2]

E o mais irônico de tudo isso é que ontem, na aula de pré-direito da escola, o professor contou a história de Inês. Mas sabe do que mais?

Você contando fica muito mais bonito. Tudo vira poesia nos seus dedos.

 
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